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Imagem/Luis Bucciarelli |
Por Saiure Ribeiro*
Em mais uma de suas reformas, no último
mês de julho, o então ministro da economia, Paulo Guedes, ou tchutchuca se você for banqueiro, enviou para a Câmara dos deputados
a primeira parte da Reforma Tributária, na qual prevê criar a Contribuição Social
sobre Operações de Bens e Serviços, a CBS, um imposto de alíquota de 12%. Um
dos bens afetados diretamente por essa proposta são os livros, que desde a
Constituição Federal (1988), por obra de um comunista, Jorge Amado, é vedado a
União cobrar impostos. E em 2004, no governo do presidente Lula, foi sancionada uma lei que isenta de impostos as editoras, livrarias e
distribuidoras de livros.
A proposta de Guedes, além de ser
inconstitucional, é uma afronta às liberdades democráticas de acesso à
educação.
Sempre soubemos do total desprezo desse
governo em relação à educação e ao acesso à cultura, o que nos remete ao romance
distópico de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Nele, a personagem principal é Montag,
um bombeiro encarregado de incinerar livros ditos subversivos, cuja posse é
vedada aos cidadãos de bem.
Como o governo não pode dar na vista
seu lado fascista, atua por debaixo dos panos. Na impossibilidade de atear fogo
nos livros, como na idade média ou em 1933, quando os nazistas alemães atearam
fogo em livros em praça pública, o governo brasileiro prevê dificultar o acesso
aos livros por meio da taxação.
Cobrar um imposto de 12% sobre os
livros é o modus operandi
que o governo encontrou de atear fogo. E só é possível entender o ódio aos
livros, tanto em Fahrenheit 451, quanto no desgoverno Bolsonaro, compreendendo
o quão transgressor pode ser o acesso à leitura. Livros são por definição
veículos de instigação, pois nos fazem indagar, questionar, adquirir
habilidades, ter um novo olhar e novos conhecimentos; abrem nossos horizontes e
são portas abertas para a esperança, para a construção de um futuro melhor.
Já em queda desde 2015, o mercado
editorial tende a sofrer mais bruscamente com a tributação, o que irá refletir
diretamente no valor final do livro que chegará ao consumidor. Guedes, que acredita que o dólar alto é bom, pois assim não há empregadas domésticas indopara a Disney, acredita também que livros são artigos de luxo, que
uma pequena parcela da população tem acesso.
Em seu artigo na Folha
de São Paulo, Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, contesta a
fala do ministro, recordando que na última edição da Bienal do Livro no Rio de
Janeiro a maioria dos 600 mil participantes era de jovens da classe C, D e E. "Na
Flup [Festa Literária das Periferias], os dados são ainda mais eloquentes: do
público total do evento, 97% se declaram leitores frequentes de livros, 51% têm
entre 10 e 29 anos, 72% são não brancos, e 68% pertencem às classes C, D e
E".
Como podemos constatar nos dados
expostos por Luiz Schwarz, uma grande parcela do público leitor é de pessoas
das classes mais baixas. Isso num país tão desigual como o Brasil é um ato
revolucionário. Esses dados apenas reforçam o acinte que é taxação sobre os
livros.
Voltando a Fahrenheit 451, não é só no
ódio aos livros que o governo Bolsonaro se assemelha ao romance, mas também no
seu utilitarismo exacerbado. Em Fahrenheit 451, a população sabe ler e
escrever, mas apenas para utilizar nas tarefas básicas, como, por exemplo, ler
a programação da TV ou montar um aparelho, e isso basta. É subversivo quem usa
da leitura para outros meios, como ler por lazer Shakespeare.
Em 2019, o presidente Bolsonaro,
juntamente com o ministro da educação da época, Abraham Weintraub, numa clara perseguição às disciplinas
das ciências humanas, dizia que pretendia “descentralizar” o
investimento nas faculdades de filosofia e sociologia do país para “focar em
áreas que gerem retorno imediato, como: veterinária, engenharia e medicina”. No
Twitter, o presidente postou que “a
função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os
jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda
para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”.
Tendo como base isso, imaginem que tipo de livros serão distribuídos pelo
desgoverno Bolsonaro, que propôs dar livros como forma de solucionar as
críticas entorno da taxação.
Livro deve ser direito, não privilégio.
Deve ser barato; deve ser distribuído sem restrições. Deve chegar a todos! Pois
os livros são a base da educação. Não devemos e não podemos aceitar os desmandos
dessa gente, que acha que cultura e educação são desnecessárias ao povo. E como
resposta a essa proposta foi feita uma petição que já conta com mais de um
milhão de assinaturas e você pode assinar clicando aqui.
Espero que incinerar livros não seja o
próximo passo do governo. E, se isso acontecer, não será entre nós que
encontrarão cúmplices: aqui resistiremos, inconformados e com livros nas mãos, pois
como diz Manuel da Costa Pinto, no prefácio de Fahrenheit 451, “os livros,
enfim, são um convite à transcendência, ao desvario, à errância, ao desvio em
relação ao destino bovino da humanidade conformada”.
* Graduanda em História pela Universidade de Pernambuco.
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