Os religiosos batistas e presbiterianos ao aderirem
ao projeto bolsonarista, ajudam na construção de um estado mais elitista
Por Fábio Py
A posse do pastor presbiteriano Milton Ribeiro, no dia 16 de julho, como ministro da educação coloca em evidência a força e o encaixe elitista dos protestantes tradicionais no governo Bolsonaro. Se a ação dos pentecostais ligados à prosperidade-empresarial, tal como Macedo e Malafaia, é ruidosa e sempre foi notória, os protestantes tradicionais, tais como os batistas e presbiterianos, tiveram sua força amplificada com o advento da pandemia. Os movimentos do governo indicam que aos protestantes tradicionais cabe a parte “mais intelectualizada” da gestão, tendendo a assumir o setorial “jurÃdico-educacional”, áreas mais teóricas e técnicas. Assusta a percepção do perfil comum dos protestantes ao aderirem ao governo carimbem o projeto autoritário de Bolsonaro, colorindo sua gestão com uma face banal, como a do religioso vizinho do lado. Destaca-se que esse encaixe de protestantes tradicionais na gestão de Bolsonaro serve, sobretudo, para amplificar suas pautas elitistas.
Sim,
os protestantes tradicionais estão assumindo as áreas mais técnicas porque,
entre os evangélicos, são os que têm um largo histórico de formação educacional
dos mais ricos. Basta lembrar a trajetória já centenária de seus colégios e seminários
teológicos no paÃs. Estrategicamente, esses colégios confessionais ajudaram na
formação das classes médias urbanas das grandes metrópoles brasileiras. Cito o
exemplo do Colégio Batista Shepard, anexo do Seminário Teológico Batista do Sul
do Brasil, na área nobre da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro. Portanto,
se é evidente que se os evangélicos são parte fundamental do governo Bolsonaro,
sua fração mais ligada ao ethos das camadas médias tomou a frente da
operalização “ideológica” do estado cerceador. Na pandemia, esse arranjo de
forças pernósticas ficou mais evidente chamando a atenção o perfil técnico e
discreto dos protestantes bolsonaristas
Presbiterianos e batistas no
jurÃdico-educacional pandêmico
A
tomada de posição do governo em direção aos presbiterianos e batistas não pode
ser compreendida como ocasional. Está relacionada com a força da Frente
Parlamentar Evangélica, junto ao núcleo duro do governo. Diferentes dos lÃderes
pentecostais ligados à teologia da prosperidade, esses protestantes têm um
perfis mais discretos. Representantes exemplares da concepção tradicional de
famÃlia, facilmente passam despercebidos da grande maioria da população
brasileira.
Também
não pode ser desprezado que presbiterianos e batistas já ocupam liderança do
governo Bolsonaro, como, por exemplo, a própria ministra da Mulher, FamÃlia e
dos Direitos Humanos, Damares Alves, que é pastora da Igreja Batista da
Lagoinha. Contudo, a novidade é a tomada de poder dos elitistas protestantes
tradicionais na área mais “ideológica” da gestão Bolsonaro.
O
primeiro nome do protestantismo tradicional a exercer função técnica destacada
foi o atual presidente da fundação CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de NÃvel Superior), Benedito Guimaraes Aguiar Neto. Na presidência da
fundação, Aguiar Neto se tornou responsável pelas bolsas de estudos do governo
de graduação e Pós-Graduação e pela avaliação dos Programas de Pós-Graduação do
paÃs.
No
dia 18 de junho, Aguiar Neto reafirmou a tônica classista de sua gestão a frente
da Capes. Nesse dia passou a tramitar internamente a Capes um processo para
revogação das cotas na pós-graduação, pois, como indica “elas ferem o pacto
federativo” do paÃs. O ato de Aguiar Neto busca desarticular as cotas na
Pós-Graduação que são uma importante politica de acesso aos estudos de parte
significativa da população brasileira (https://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2020/07/18/presidente-da-capes-pediu-para-mec-acabar-com-incentivo-a-cotas-na-pos-graduacao.htm).
O diretor, com isso, busca diminuir o acesso de diferentes setores sociais as
Pós-Graduações, ratificando o incomodo de que as politicas de cotas incidem
sobre as elites brasileiras.
Após
Benedito, o segundo protestante tradicional a obter um cargo de destaque no
governo Bolsanaro foi outro pastor presbiteriano André LuÃs Mendonça, que
assumiu o lugar do ex-juiz Sergio Moro, no Ministério da Justiça e da Segurança
Publica. Como terrivelmente evangélico, André LuÃs é pastor assistente
voluntário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), com doutorado na
Universidade de Salamanca em Direito. Em sua solenidade de do cargo no dia 29
de abril (https://www.youtube.com/watch?v=EvqtqTZVLP0), já no
contexto pandêmico, o pastor chegou a dizer publicamente que as “gerações de
brasileiras não sabem o que é viver um estado de segurança pública”. Vai mais
além ao indicar que “a segurança publica, deve defender a boa famÃlia
brasileira”, logo garantiria a “vida plena” da classe média brasileira que
afirma a falta de segurança nos grandes centros brasileiros.
Sem
qualquer crÃtica mais sistêmica, afirmou literalmente que “será um fiel
missionário” do governo. Interessante que o pastor André é descrito pelos
colegas como pai zeloso, uma pessoa afável e educada, além de ser muito
competente nos elementos da Ciência JurÃdica, os mesmos qualitativos atribuÃdos
ao diretor da Capes. Contudo, assume voltar-se contra a corrupção, mas,
sobretudo, a questão da segurança publica das classes médias, dita “tão falha
no paÃs nos últimos anos”. Logo, será um “missionário” de Bolsonaro na direção
da reafirmação do atual estado policial em prol da já higienizadas famÃlias
ricas que habitam nossas cidades.
Além
das posses de Benedito de Aguiar e de André LuÃs Mendonça, o fortalecimento dos
evangélicos tradicionais teve como marco a ascensão do pastor Milton Ribeiro
como ministro da educação, que tomou posse na última quinta-feira, 16 de julho
(https://www.youtube.com/watch?v=C3j5ULZzu9A). Antes
de ser empossado como ministro, Ribeiro havia atuado por 28 anos à frente da
Igreja Presbiteriana Jardim da Oração em Santos. Na igreja, Ribeiro é descrito
como pessoa “acolhedora, tranquila e conversadora”. A comunidade religiosa
chegou a se posicionar no apoio ao novo projeto do antigo pastor, destacando
seu trabalho prol famÃlia. (https://pt.calameo.com/read/006310252aeffa6636471).
Em
sua tese de doutorado na USP, que não está aberta ao público, intitulada
“Calvinismo no Brasil e organização: o poder estruturador da educação” defende
o pioneirismo das instituições protestantes no Brasil na constituição da
liberdade e da democracia. Destaca que as instituições protestantes “deveriam
ser parâmetros para a formação do paÃs”. Seu trabalho é uma exaltação Ã
educação presbiteriana no paÃs, “esquecendo”, porém, de avaliar o caráter
elitista projeto de educação protestante no Brasil, como nos lembram os
pesquisadores Antônio Gouveia e Mendonça e Procoro Velasques Filho, no clássico
“Introdução ao protestantismo brasileiro”.
Batista no CNE
Além
de Milton Ribeiro, a Educação brasileira ganhou a adesão de outro religioso, o
batista Valsenir Braga, que assumiu, no último dia 10 de julho, o Conselho
Nacional de Educação (CNE). No currÃculo de Braga, uma longa trajetória como
gestor da Rede Batista de Educação em Minas Gerais, uma rede de colégios com 13
unidades. O novo conselheiro tem formação em engenharia e administração de
empresas (https://br.linkedin.com/in/valseni) e é diretor da
Associação Comercial de Minas – ACMinas e do Sindicato das Escolas Particulares
de Minas Gerais SINEP-MG. Além de ter um filho pastor batista em Minas Gerais.
Na
direção do Colégio Batista Mineiro, Valsenir Braga se destacou na implementação
do ensino de inglês para crianças a partir de três anos de idade pelo programa
Batista BilÃngue. Também se empenhou no ensino de robótica, numa clara
demonstração da preocupação quanto a “educação tecnológica” (https://www.youtube.com/watch?v=l2mmOqq1e6o). O que
garante ao Colégio Batista Mineiro uma das mensalidades mais caras de sua
região em Minas Gerais. Além do conhecido empenho na gestão, Valsenir Braga é
descrito em suas redes sociais como pessoa simples, de bom trato e de fortes
laços familiares. Agora, sua caracterÃstica de defesa da educação a partir da
tecnologia interessa de sobremaneira ás pautas do governo Bolsonaro.
Os protestantes tradicionais e a
banalidade do mal no governo Bolsonaro
As trajetórias dos discretos protestantes tradicionais que vem assumindo os cargos mais “ideológicos” do governo assinalam um caminho já acenado pelo próprio presidente, após tantos problemas polÃticos nos ministérios. Contudo, o perfil mais pragmático desses protestantes nos projetos das camadas superiores, parecem indicar um movimento mais assustador. A ação desses religiosos mais discretos, “mais educados” remete à expressão da “banalidade do mal”.
A
expressão remete à filósofa Hannah Arendt, que ao analisar o julgamento do
lÃder nazista Adolf Eichmann, entendeu que, na maioria dos casos, a gestão do
genocÃdio do nazista foi exercida por burocratas comuns. Para espanto de
Arendt, os responsáveis pelo racional mecanismo que promoveu milhares de morte
sob o nazismo não eram perversos inteligentes, mas pessoas banais empenhadas em
exercer seu ofÃcio de forma eficiente.
Assim,
a questão ao analisar ascensão dos protestantes tradicionais no governo é entender
os motivos que levam homens religiosos, zelosos pais e profissionais técnicos a
aderirem a um governo com essas caracterÃsticas. A gestão da morte ficou
absolutamente evidente nas ações de combate à pandemia de covida-19 (https://ponte.org/populacao-mais-pobre-infectada-pelo-coronavirus-protege-os-ricos-aponta-biologo/?fbclid=IwAR3_kv4VgE-pUIZFekhO90pXM5Fk0h3mMggDBwHW-gMEFEnKuZ9ID08HAnY).
As
declarações de Bolsonaro falam por si. Por diversas vezes, admitiu a
banalização da morte e o sacrifÃcio dos mais velhos e dos mais vulneráveis
durante a pandemia: “ninguém disse que não ia morrer, está morrendo gente (…)
alguns acham que dava para diminuir o número de óbitos. Diminuir como? Devemos
tomar cuidado com os mais velhos, mas, mais cedo ou mais tarde, esse idoso não
está livre de ser contaminado pelo vÃrus. É a realidade” (https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/16/bolsonaro-diz-que-mandetta-semeava-panico-e-volta-a-criticar-quarentena.htm).
O que parece evidente é que as ações desses discretos religiosos, bem formados remontam ao mal que as pessoas comuns podem praticar nos contextos autoritários, quando deixam de refletir criticamente. Retomando as reflexões de Arendt, a banalização do mal ocorre, principalmente na classe média, quando um governo se baseia em concepções que levam à tentativa de tirar a humanidade do “outro indesejável” e acabam por fomentar nas pessoas mais comuns e mais qualificadas a incapacidade de compaixão pelo próximo. Nesse sentido, mesmo sendo pessoas discretas e “técnicas”, os religiosos batistas e presbiterianos ao aderirem ao projeto bolsonarista, ajudam na construção de um estado mais elitista. Demonstram que crentes comuns, aqueles que frequentam as igrejas de classes médias, preocupados com a rotina religiosa de orar, jejuar, cuidar dos filhos e filhas, de zelar pela segurança da famÃlia podem ser partes do maquinário estatal eugênico de Bolsonaro.
Por seus perfis pragmáticos e discretos, tais religiosos foram escolhidos a dedo pelo bolsonarismo, com aval da Bancada Evangélica, justamente para operar tecnicamente a área “ideológica” da polÃtica autoritária e de morte da atual gestão do paÃs. Além do perfil pragmático, competente, cada um deles, de formar especÃficas, executar as lacunas do bolsonarismo, em especial o projeto elitista de governo: permeado por traços anticientÃficos, que se levantam contra as cotas raciais, que apoia a construção de um estado policial de guerra aos pobres, no qual destaca ênfase educacional à s camadas superiores a partir da educação tecnológica. Portanto, o grande escândalo não está à postura irascÃvel ou histriônica desses religiosos, mas, no contrário, é escandaloso que cristãos comuns, educados, voz mansa, participantes de comunidades piedosas, em nome da posição e do cargo, optem em abrir mão da reflexão crÃtica associando-se ao que hoje assistimos.
Fábio Py é doutor em Teologia e professor da
Pós-Graduação em PolÃticas Sociais da UENF
Este texto não reflete necessariamente a opinião de
CartaCapital.
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