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Imagem/Revista Veja |
Da Redação.
A última pesquisa Datafolha mostrou um aumento na popularidade de Jair Bolsonaro. Para 37% dos entrevistados, seu desempenho é ótimo ou bom; para 27%, regular. Com esses números, sua reeleição está praticamente garantida.
Entre os homens a avaliação positiva do presidente fica em 42%; entre as mulheres 33%; junto aos jovens de 16 a 25 anos, 26% e entre aqueles que estão na faixa etária de 35 a 44 anos o número é de 45%.
Para 25% da população negra (que corresponde a 56% da população brasileira) a administração Bolsonaro é ótima ou boa. Esse número cresce para 40% entre os brancos.
Diante desses números alvissareiros (para o presidente, é bom frisar), surge o seguinte questionamento, que mistura desalento, desânimo, surpresa (alguns se surpreendem) e indignação: como pode, diante dessa pandemia que já vitimou mais de 100 mil pessoas, acompanhada das declarações e comportamentos desumanos de sua excelência o presidente, a popularidade dele aumentar?
Bem, ele é alguém que possui uma consistente base popular, lembrando que sua popularidade sempre gira em torno de 25% a 30%. Certamente, o auxílio emergencial de R$ 600 contribuiu para a melhora dos números, na medida em que cresceu sua aprovação entre pessoas das classes C, D e E. Milhões de famílias viram sua renda melhorar com o pagamento do auxílio. E com mais dinheiro, a economia se mantém um tanto quanto aquecida, pelo menos em alguns setores.
Para piorar: a pesquisa Datafolha também revelou que existe uma divisão entre aqueles que associam as mortes por Covi-19 com as condutas e falas de Bolsonaro (52%) e aqueles que o isentam de qualquer responsabilidade (47%). Entre os primeiros, 11% consideram que ele é o principal culpado, porém 46% acham que ele é um dos responsáveis, mas não o principal. Por que isso acontece? Será que é por falta de informação? Ou seria por causa da eficaz atuação da rede de fake news? Ou por que a maioria das pessoas é estúpida mesmo e fecham os olhos para as informações corretas e os abrem para acolher em suas mentes e corações as notícias falsas?
Vou propor uma sugestão de ordem, digamos assim psicológica, para responder a essas questões. Vamos pensar naquele bolsonarista parente, amigo ou conhecido nosso que come três refeições por dia, tem boa formação escolar, tem acesso a informação e é cidadão de bem, pagador de impostos, adepto da meritocracia, contra a corrupção e defensor da família tradicional brasileira. E se esse sujeito for um ressentido? Não podemos esquecer que a cultura do ódio, construída pela classe dominante brasileira nos últimos anos como estratégia para seu retorno ao governo, que se deu mediante um golpe, produz pessoas ressentidas.
Para entender o fenômeno do ressentimento, vamos pensar no arrependimento, que, uma vez vivenciado pelo indivíduo, acomete-o com o sentimento da vergonha ou da culpa. No primeiro, o sujeito se abate porque fez ou disse algo que frustrou determinada expectativa social depositada sobre ele. É um sentimento que surge no momento em que o indivíduo não se vê mais inscrito no olhar de aprovação ou de reconhecimento do outro. Já na culpa o indivíduo se abate porque fez ou disse algo que prejudicou o outro.
Há quem diga que na contemporaneidade estamos vivendo um momento marcado pela passagem do sentimento de culpa para o sentimento da “vergonha de si”. Ora, o neoliberalismo impõe a concorrência como norma de conduta e a empresa como modelo de subjetivação, produzindo sujeitos concorrenciais que se veem como verdadeiras empresas de si (os chamados empreendedores). São sujeitos fabricados pelo dispositivo desempenho/gozo, que vinculam a existência de uma vida satisfatória e bem sucedida a um tipo específico (e imposto pelo sistema) de performance e desempenho.
É a sociedade da positividade, do máximo desempenho, da melhor performance e do mais que gozar sem limites. Nessa sociedade, os indivíduos se observam atentamente, deixando-se vigiar pelos olhares de uns e de outros. Diante do mínimo deslize e do olhar de reprovação dos outros, o indivíduo envergonhado se sente fracassado, impotente e incapaz. Daí a necessidade diuturna de atender expectativas sociais, aparentando e expondo uma vida supostamente feliz e bem sucedida.
Pois bem, o arrependimento pode ser de dois tipos: existe aquele que é experenciado pelo indivíduo um tempo depois da fala ou do comportamento realizado e há aquele no qual o indivíduo de certa forma já sabia de antemão que iria se arrepender caso falasse ou se comportasse de determinado jeito. No primeiro caso, o arrependimento é consequência natural do processo de amadurecimento ou crescimento intelectual e emocional; o segundo é multifatorial e tem a ver com o ressentimento.
Convenhamos, aquele nosso amigo, parente ou conhecido sabia quem foi Bolsonaro em carnavais passados. Há aqueles, de fato, que votaram nele na melhor das intenções, acreditando que ele iria melhorar o Brasil. Depois que o viram fazendo o que faz e dizendo o que diz, arrependeram-se de verdade. Há também aqueles que, munidos de novas e mais informações, arrependeram-se de ter apoiado o golpe de 2016, conseguindo associá-lo a chegada de Bolsonaro ao poder.
No entanto, esse nosso amigo, parente ou conhecido sabia quem era Bolsonaro, porque durante a campanha eleitoral de 2018 foi alertado por outras pessoas a respeito do caráter autoritário, preconceituoso e desumano dele; teve acesso a notícias sobre a atuação incompetente dele enquanto parlamentar por quase 30 anos e o seu suposto envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro; viu que ele não quis participar de nenhum debate no segundo turno das eleições; sabia que ele não entendia nada sobre educação, saúde, economia, etc. Dessa forma, o que motivou esse nosso amigo, parente ou conhecido a votar e se identificar com Bolsonaro foi o ressentimento. O fato de ter visto nas gestões Lula e Dilma o Brasil melhorar, promovendo o maior processo de inclusão social da história do país. O fato de terem que dividir o assento do avião, as cadeiras da universidade e os diplomas de doutor com gente que historicamente foi excluída desses direitos.
Esperar que esses 25% a 30% simplesmente se arrependam de terem votado no Bolsonaro por causa das patifarias que ele diariamente pratica é esperar demais. Não vão se arrepender, uma vez que teriam que bancar a vergonha de terem digitado 17 na urna eletrônica. (Lembrem-se que eles se expuseram e colocaram sua imagem em público durante as eleições). Preferem ver o sofrimento dos outros a correrem esse risco. A culpa é algo que neste momento não os atinge.
Qual a saída então já que esse eleitorado é muito grande? Arregaçar as mangas, sair um pouco das redes sociais e fazer trabalho de base junto às igrejas, sindicatos, associações etc. É preciso também que aja uma unidade programática e estratégica das esquerdas e quiçá a construção de um projeto de país, que seja capaz de dar uma resposta alternativa ao neoliberalismo.
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