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Por Saiure Ribeiro*

Na noite do último sábado (24/10), o então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, postou em uma rede social uma foto sua com seu cachorro Faísca. E, em mais uma de suas ações torpes, usou a seguinte legenda: “Vacina obrigatória só aqui no Faísca”. Para entendermos o escárnio presente na publicação de Bolsonaro, temos que recorrer para os acontecimentos da última semana.

No último dia 20, o agora Ministro da Saúde, General de três estrelas Eduardo Pazzuello, havia anunciado um acordo com o governo estadual de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, vacina produzida pelo Instituto Butantan e desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. A vacina faria parte do Programa Nacional de Imunizações.

Vale lembrar que o governo estadual de São Paulo é representado por João Dória, que desde o início da pandemia está em disputa política acirrada com Bolsonaro. Depois do divórcio, ambos buscam conquistar as graças da extrema-direita no Brasil para as eleições de 2022.

Visando esse cenário, Bolsonaro não deixaria seu oponente ultrapassá-lo. Um dia depois do anúncio de Pazzuello, Bolsonaro divulgou um comunicado desautorizando o ministro em suas redes sociais. Chamando a Coronavac de “vacina chinesa de João Dória", escreveu: “qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”, e concluiu dizendo que sua decisão “é a de não adquirir a referida vacina”.  E em comentários de seus seguidores respondeu mais de uma vez e em letras maiúsculas que “NÃO SERÁ COMPRADA”. É interessante notarmos que o Bolsonaro que pede comprovação cientifica é o mesmo Bolsonaro que nega dados científicos e dá cloroquina às emas.

Bolsonaro ainda incita que a vacinação não seja obrigatória no país. Eis aí a “piada” da sua publicação com o cachorro. Bolsonaro é incisivo ao dizer que não irá obrigar a vacinação, por respeitar a “liberdade” dos cidadãos. Liberdade esta não respeitada quando a discussão é sobre a legalização do aborto ou da maconha. A sua declaração vai contra, inclusive, o decreto assinado por ele em fevereiro. A lei 13.979 diz que, diante do enfrentamento emergencial da saúde pública, “as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, a determinação de realização compulsória de vacinação ou outras medidas profiláticas.”

A discussão em relação à “vacina chinesa” entra no cenário brasileiro no momento em que já ultrapassamos, em pouco mais de 7 meses, a marca de mais de 155 mil mortos pela Covid-19. Bolsonaro durante esses meses conseguiu a façanha de ser considerado o pior governante no enfrentamento da Covid-19. Seu negacionismo e desdém em relação à pandemia está presente em ações como: promover aglomerações, não fazer uso da máscara ou dizer frases do tipo: “é só uma gripezinha”, “e daí? Sou messias mas não faço milagres” ou na “piada” sobre o cachorro.

Sabendo que todo discurso gera reflexos na sociedade, ao ouvirmos o Presidente da República ironizar a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, diante do cenário em que vivemos, temos a certeza de que o obscurantismo está escancarado e regredimos enquanto sociedade.

A exemplo de como o discurso reflete na realidade concreta, o Brasil tem tido queda nos índices de vacinação dos últimos anos. E em 2019, o país não atingiu a meta de nenhuma das principais vacinas recomendadas a crianças de até um ano. Foi a primeira vez que isso aconteceu em mais de 20 anos. E diante da queda dos índices de imunização, o sarampo, que foi erradicado do Brasil, voltou a circular em 2018 no país. Anos esses que foram de extrema polarização política e com aumento exponencial da extrema direita no país e no mundo.

É preciso cuidado e atenção diante dos infortúnios da extrema-direita ignóbil e negacionista. Acreditar na “ameaça comunista”, na “terra plana”, na “mamadeira de piroca”, no “kit-gay”, em “conspiração”, em “regime militar”, que o “aquecimento global” é uma mentira, que foram os “índios que queimaram o Pantanal e a Amazônia” e em “cristofobia” não é o retrato de pessoas burras e ignorantes, mas sim um projeto político muito bem articulado, que busca por meio de inverdades manter seus privilégios. Por mais vexatória que seja a política de Bolsonaro, ela reflete os seus interesses e da extrema-direita e, por isso, não podemos e não devemos deixar se enganar diante de tais discursos, por mais absurdos que sejam.


* Graduanda em História pela Universidade de Pernambuco.