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Imagem/Klaus Vedfelt Getty Images |
Diversos e Livres
Por Ivânia Freitas*
Acho que
nasci professora. Ainda criança, eu fingia dar aulas aos meus irmãos mais
velhos e essa é uma lembrança que até hoje rende risos saudosos em minha
família. Talvez, inspirada por minha mãe, professora leiga que alfabetizou
dezenas de pessoas, desenvolvi o gosto pela docência e fui professora antes de
cursar o antigo magistério.
Tinha
dezesseis anos e já era auxiliar de professora em pequenas escolas onde fui
experimentando dos desafios dessa doce e instigante profissão. Mal tinha
completado dezoito anos, formei-me professora no magistério e, logo em seguida,
ingressei no curso de Pedagogia para selar o contrato com a docência.
Nas
minhas primeiras experiências como professora, mesmo sem ter clareza, usava
como referência as lembranças da minha vida escolar. Só depois de um bom tempo
eu me dei conta desse fato e comecei a achar graça quando me pegava repetindo
coisas que meus professores faziam, inclusive, aquelas que eu achava serem
ruins! Foi aí que me dei conta de que um professor ou professora, não apenas
ensina coisas, mas marca pessoas.
Tenho
muitas lembranças dos professores e professoras que passaram pela minha vida e
elas se misturam a esse tempo mágico que é o tempo da escola onde tudo acontece
e se encontra sem que a gente perceba.
Sem muito
esforço, vem nas minhas memórias afetivas, a professora Cleinha da escolinha perto
de casa. Eu não me recordo do rosto dela, mas, quando penso nela, a lembrança
vem misturada com um aroma de suco artificial de morango que tomava conta da
sala, quando eu abria a garrafinha que carregava em uma pequena lancheira de
plástico.
De
repente, aparece a imagem da Professora Olga (Olga de Zezito, como a chamavam)
e, com ela, os livros do Alfa com os quais me divertia brincando com as já
familiares palavras que eu fazia questão de exibir que sabia!
Enquanto
penso sobre essas amorosas lembranças, um sorriso se forma em meus lábios
quando minhas memórias trazem, de forma meio que borrada, a imagem da
professora que fez seu estágio em minha turma da quarta série (acho que seu
nome era Leninha). Embora possa falhar no nome, jamais esqueci da emoção que
senti quando ela nos levou a um passeio em uma roça. Acho que foi a primeira
vez que saí em grupo para um lugar mais distante de casa e me senti livre,
curiosa, encantada com a beleza do lugar que mal lembro onde ficava, mas tinha
cheiro de terra molhada e lindos riachos com água límpida.
Enquanto
escrevo esse textinho que brota de um carinho que estava guardado no fundo do
peito, penso como as lembranças são parecidas com as fotografias. Embora o
tempo as deixem meio apagadas, a magia do que elas representam dá uma sacudida
no coração e nos faz suspirar com tom de saudade. De repente, estava eu,
envolvida na fantasia da infância, no fervilhar das emoções da escola, nas
rodas de amigos, na companhia daqueles professores que nos colocaram para andar
para a frente e daquela “estagiária” que guardou assento na memória junto com
os riachos, pés de manga, umbuzeiros e os risos alegres de uma meninada cheia
de energia e vida.
Nas doces
memórias que trago comigo, chegou para mim a professora Rose (Rose de Seu Ademar)
que me ensinou a amar a língua portuguesa. A gente dizia que ela era diferente,
ela não ensinava, abria as nossas cabeças e colocava o conteúdo lá dentro! Tudo
parecia ser fácil e simples vindo dela. Quando estava aprendendo a ser
professora, eu buscava lembrar da professora Rose e tentava fazer como ela
havia me ensinado, levar o conhecimento para dentro das cabeças dos meus
alunos, provocando que eles se descobrissem inteligentes, curiosos e quisessem
aprender cada vez mais. Rose plantou em mim o sentido da palavra partilhar.
Assim como ela, tinha um professor de nome Deuzimar, o mestre do Inglês, que usava de toda a sua criatividade para nos ensinar a língua estranha e divertida. Apesar de sua postura séria, ele tinha algo incomum, fazia da aula um teatro de aventuras e o difícil ia virando um desafio empolgante! Ele e Rose, apesar de serem muito diferentes, sabiam cativar o desejo de aprender.
Mas havia
um professor com bigode grande, fala forte e muito sério. O nome dele era
Jakson (seu apelido era Trotrô – não sei bem o porquê desse nome que é quase
uma trava línguas). Trotrô era professor de técnicas agrícolas. Uma vez, ele
nos colocou uma tarefa: plantar girassóis no pátio de terra que ficava no
centro da escola. Não lembro de quase nada das aulas, mas lembro dos girassóis.
Nunca vou esquecer do imenso jardim verde-amarelo que tomou conta da escola.
Mas nem
só de doçuras e jardins vivem as lembranças e isso a gente sabe. Havia também
os professores ranzinzas, os que ameaçavam, os que excluíam, os que faziam a
gente tremer de medo nas provas e sabatinas, os que pareciam querer descolorir
a escola, que se incomodavam com as janelas abertas e teimavam em nos tirar o
horizonte. Mas a memória destes eu guardei na caixa do que eu não queria ser.
O fato é que o aroma da lancheira que me lembra a professora Cleinha, a dança das letras das tarefas da professora Olga, a aventura amorosa com a “estagiária” querida, a generosidade de Rose e Deuzimar em nos jogarem para frente e os iluminados girassóis de Trotrô, plantaram em mim o sonho de, assim como eles, marcar pessoas com o melhor de mim.
Eu acho que não aprendi a técnica de plantar girassóis, mas aprendi que ser professora é cultivar pessoas, tocar suas almas e estar para sempre em suas memórias. E, se elas vierem regadas de suspiros saudosos e envolventes, então não terei sido apenas uma professora que ensinou coisas, mas que deixou aromas, sorrisos e girassóis.
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