Cais de Remanso / Imagem de Saiure Ribeiro

Da Redação.

O ano mais desafiador desta geração está chegando ao final. A pandemia da covid-19, que representa a maior crise sanitária e de saúde dos últimos cem anos, marcou para sempre a vida da humanidade. Quando se faz qualquer tipo de análise dos acontecimentos ao longo dos últimos doze meses, a pandemia causada pelo novo coronavírus é determinante em alguma medida no que ocorreu ou deixou de ocorrer. O ano de 2020 não foi fácil.

Quando a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 11/03/2020, declarou oficialmente a existência da pandemia, tudo mudou, aliás, quase tudo. Quer um exemplo de algo que não mudou com a covid-19? O indivíduo que ocupa a presidência do Brasil. Ele continuou exatamente a mesma pessoa mentirosa, inescrupulosa, abjeta, negacionista da ciência e da democracia. Jair Bolsonaro sempre foi assim desde os tempos da Câmara dos Deputados, onde esteve por quase trinta anos com atuação pífia e cometendo os mesmos absurdos de hoje. A diferença é que, ao ser eleito para o cargo mais importante do país com o apoio das elites (utilizando-se de meios nada republicanos, diga-se de passagem), o mundo hoje conhece sua política genocida.

Ter um (des)governo com a assinatura de Bolsonaro numa pandemia representa o pior dos cenários. O número de mortos e contaminados cresce assustadoramente. Faltam ações efetivas por parte do governo federal. Sobram deboches e atos irresponsáveis do presidente. A população, especialmente a mais vulnerável e que obviamente não desfruta do privilégio do home office, sofre sobremaneira num Brasil sem rumo, em desmonte e com o desemprego atingindo patamares avassaladores.

O que dizer da devastação que ocorre nas nossas florestas? Ilustração fidedigna de um país em chamas e que pede socorro. Os números mais recentes mostram que as queimadas na Amazônia e no Pantanal bateram recorde, dados que são minimizados descaradamente pelo presidente da república e seus asseclas. Um descalabro!

É um sujeito abjeto que, quando abre a boca para falar alguma coisa, o Brasil perde em humanidade, como bem disse o ex-presidente Lula em solidariedade à presidenta Dilma Rousseff, que foi atacada, mais uma vez, em sua dignidade pelo genocida de plantão, que debochou do fato de que ela, com apenas 22 anos, foi torturada durante a ditadura civil-militar.

Há quem continue batendo palmas para essas sandices, ditas diuturnamente por alguém que se sente à vontade de dizê-las convicto de que nada irá acontecer. E de fato, nada acontece! A popularidade do dito cujo continua alta, o povo em suas casas protegendo-se da pandemia (mas que não perde a oportunidade de viajar e promover aglomerações em praias superlotadas), a mídia comercial exigindo autocrítica do PT e totalmente alinhada à política econômica do ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, sentado em cima de todos os pedidos de impeachment do presidente da República. O Brasil caminha, a passos largos, para uma verdadeira convulsão, quiçá, revolta social. As condições estão postas: caos econômico, desemprego batendo recordes, inflação, fim do auxílio emergencial, crise sanitária, mais de mil mortes por covid-19 ao dia, hospitais lotados e incertezas com relação ao início da vacinação. Quer mais: os problemas estruturais de sempre: desigualdade e racismo.

Mas nem só de desgraças se faz a vida, já diria a poetisa. 2020 foi também um ano marcado por muita luta e solidariedade. Como já exposto, a marca do racismo se fez presente esse ano, em especial com o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, mas a resposta veio de maneira estrondosa e desencadeou a segunda onda do Movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). E em várias partes do mundo a bandeira antirracista e antifascista foi elevada e posta em discussão.

No ano em que a pandemia do coronavírus nos deixou instáveis e tudo se transformou numa grande incógnita, duas coisas se confirmaram definitivas: só há saída pela Educação e a Ciência e a necessidade do fortalecimento do SUS. Como esquecer da ação do Sistema Único de Saúde no enfrentamento da Covid-19, que apesar do desmonte e de todo o despreparo do governo, foi essencial para que menos pessoas morressem. E de todos os profissionais da saúde que se puseram na linha de frente e, num gesto de doação e empatia, enfrentaram meses longe de suas famílias para combater os estragos da pandemia. A Educação e Ciência foram indispensáveis na construção da vacina e na busca por métodos para atenuar os efeitos do coronavírus. Um enorme agradecimento a todos que, apesar do negacionismo prevalecente, continuam na luta pela construção de um mundo melhor pelo conhecimento.

Outro ponto que merece destaque, mas que só foi formalizado apenas agora no finalzinho do ano é a Legalização do Aborto na nossa hermana Argentina. Resultado da construção coletiva e da luta árduas das mulheres, a legalização do aborto representa para a Argentina, como bem disse o Presidente Alberto Fernández, “uma sociedade melhor, que amplia os direitos das mulheres e garante a saúde pública”. É a construção e a reparação do mundo feito pelas mulheres.

Diante do cataclisma vivenciado em 2020, as desigualdades se aprofundaram e o Brasil entrou novamente no mapa da fome. Em contrapartida, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) doou cerca de 856,4 toneladas de alimentos saudáveis produzidos pela Reforma Agrária. Isso é solidariedade, isso é luta!

E falando de solidariedade, não há como esquecer do Padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, que foi e é sinal do Cristo no meio de nós. Um exemplo de solidariedade, entrega, empatia e amor. Apesar da idade e das ameaças sofridas, continuou firme na missão de acolhimento aos pobres e miseráveis. Ânimo para todos nós que acreditamos num mundo melhor, justo e igualitário.

Assim, nestes últimos respiros de 2020, façamos como náufragos e nos agarremos à Esperança de tal forma e com tal força que em 2021 possamos ser não apenas espectadores indignados de todas estas tragédias descritas acima, mas sujeitos ativos de um processo de transformação físico, social e molecular. Acreditemos que 2020 foi um "tempo de transcendência" de onde desejamos que as vivências nos tragam sabedoria, gentileza, coragem e nos lembrem todos os dias que "o ser humano é um projeto infinito, portanto não deve se deixar enquadrar".