Imagem/Agência Pública

Diversos e Livres

Por Ivânia Freitas*

Aos professores e professoras,

Na semana passada, conversamos sobre a importância de ficarmos atentas e atentos para compreender melhor o cenário da educação no contexto da pandemia. O objetivo dessa conversa é marcar o interesse do setor privado na educação pública e como o ensino à distância e a intensificação do uso das tecnologias na educação são áreas que aproximam a educação dos interesses do grande capital financeiro e fazem a sociedade andar no passo que a classe dominante deseja.

Quem está nas redes on-line, sobretudo Facebook e Instagram, deve observar o número exorbitante de propagandas que anunciam pacotes gratuitos ou pagos, com “soluções” para as escolas, para os professores, para os alunos e até para as famílias, sobre tornar melhor o ensino “remoto” ou “híbrido”, termos que passaram a fazer parte do cotidiano da educação.

Os pacotes são tantos e atrativos, que não dá tempo de parar e perguntar de onde surgiram tantas “soluções mágicas” que anunciam serem capazes de resolver todos os problemas da educação e da escola de forma tão simples!? Sem o cuidado de fazer essa pergunta e sem uma devida análise do conteúdo desse material, gestores e professores vão aderindo a estas supostas soluções, que trazem consigo, mais do que uma prescrição e levam a destituição gradativa da autonomia das redes/sistemas de ensino, das escolas e fragilizam os professores, de pensarem, à luz da realidade concreta, as suas necessidades para traçarem seus planejamentos.

De posse desses pacotes que dão a direção e o rumo da educação nos sistemas e redes de ensino, os professores vão se distanciando, cada vez mais, do seu papel de condutores dos processos pedagógicos, passando a assumir a função de “facilitadores da aprendizagem” ou “mediadores” de tecnologias, metodologias e percursos que já estão previamente traçados e sequer dialogam com o contexto das redes de ensino, escolas e comunidades. 

Temos alertado que, esse caminho que está se ampliando na educação pública, é um processo de agravamento da desvalorização da escola e da docência, fortemente precarizadas nas reformas em curso no país. No que se diz respeito à docência, enfatizamos que se o professor perder seu lugar de profissional, cuja formação se constitui de um campo de conhecimento com saberes próprios (como é toda profissão) e, se o ensino se resumir apenas a criar situações de aprendizagem, estaremos legitimando a entrada, por definitivo, de profissionais de outras áreas, que só precisam conhecer certos conteúdos, ter domínio das tecnologias e de certas metodologias, para assumirem o papel do professor.

A redução do professor a um mero facilitador/mediador, tem levado, por exemplo, ao rebaixamento salarial, uma vez que ele não passa de um “tutor”, uma figura que desdobra um roteiro de tarefas, um passo a passo, que não requer uma formação científico-teórica profissional para executar, mas apenas um técnico com competências tecnológicas, disciplina, flexibilidade, capacidade de se adequar e se adaptar às condições de trabalho e, assim, “facilitar” a aprendizagem dos alunos.

É essa lógica que perpassa sutilmente o discurso das reformas na educação e que vem ganhando força no ensino remoto e nas propostas de ensino híbrido. Ela se constitui, no nosso entendimento, de uma grande estratégia de desvalorização da profissão docente e exige que fiquemos alertas para suas nuances. Quero destacar, ainda, que na lista dessas estratégias que reforçam um sub lugar ao conhecimento teórico e científico que embasa a formação do professor, estão os discursos requentados das “metodologias ativas”, que parecem ganhar a simpatia de docentes desatentos do quanto elas minimizam a relevância do professor como par diferenciado no processo de ensino, invertem princípios pedagógicos fundantes do trabalho escolar e tornam o professor um “animador de turma”, além de deixarem os estudantes à deriva, com a responsabilidade de buscarem, por si mesmos, o acesso ao conhecimento.

Uma vez que as formas, as tecnologias e  metodologias, se sobrepõem aos processos de ensino, os conhecimentos teórico-científicos assumem lugar menor e o professor, visto apenas como um guia, pode ser facilmente substituído por uma excelente e bem montada plataforma on-line contendo diversas e interessantes atividades, percursos, estudos de caso, que dispensam não apenas o professor, mas as vivências formativas do processo de ensino e as próprias instituições de ensino (as escolas), já que o processo formativo passa a ser reduzido a aquisição de competências e habilidades que se adquirem por via de treinamentos bem delimitados e não precisam do ambiente escolar para isso.

Um elemento a mais nesse debate, é que tudo isso tudo se soma a um outro discurso crescente e muito perigoso que vem colocando no professor toda a responsabilidade pelo “sucesso” e “fracasso” da educação uma vez que a ele cabe arranjar formas de a aprendizagem acontecer, já que tudo parece se resolver com a tecnologia ou metodologia certa, ou mesmo, com o engajamento pessoal, ou seja, a boa vontade e compromisso do professor. Esse argumento tão recorrente vai dando lastro ao Estado para se afastar, cada vez mais de suas obrigações na oferta de políticas estruturantes, aproximando as redes de ensino do setor privado que passa a deixar sua marca nas formas de gestão das secretarias, escolas, no papel dos professores e na formação dos estudantes.

Assim, mesmo com pacotes educacionais muitas vezes gratuitos, a classe dominante vai tomando conta da educação pública e mantendo sua hegemonia, dizendo exatamente como as coisas devem ser, como a escola e a sociedade devem andar e em qual direção. Por fim, como dizem os poetas, “é preciso estar atento e forte”, “o mar da história é agitado”.

Concluo essa prosa de hoje retomando o ditado popular que nos cutuca dizendo que “para quem não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve”.

Fiquemos alertas!



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.