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Nas
celebrações do Natal, os cristãos brasileiros, especialmente os de tradição
católica cantam uma canção na qual o refrão diz: “Deus Pai revelou seu amor e
deu-nos seu filho em comunhão/Jesus nasce em todo lugar: nasce na roça, na
favela e no sertão”. Aqui, não é o Deus dos palácios e dos potentados que se
revela no corpo de uma criança, mas sim o Deus dos humildes, descartados e
excluídos da sociedade. Dessa forma, o Natal torna-se mistério de amor,
fraternidade e solidariedade e nos convida a buscar Deus ali onde não há,
aparentemente, esperança, abundância e vida. Definitivamente, não são nos
shopping centers da vida que Deus vem habitar: esse é o Natal do capitalismo.
Deus está
presente nas periferias; foi ali que Ele decidiu nascer. Escolheu uma família
simples de trabalhadores e viveu como trabalhador. Mas se Deus faz uma opção
preferencial pelos pobres e excluídos, onde está Ele em meio às tragédias, uma
vez que são justamente os pobres e excluídos as principais vítimas dessas
catástrofes? Diante de tanta violência, dor, terremotos, terrorismos, todos nós
somos interpelados a nos perguntar: Onde está Deus?
Após os
terremotos que atingiram El Salvador em 2001, o teólogo e padre jesuíta Jon
Sobrino, expoente da Teologia da Libertação na América Latina, foi convidado
pela editora espanhola Trotta a escrever um livro no qual faria algumas
reflexões sobre o terremoto. Quando o livro já estava praticamente pronto,
vieram os ataques terroristas aos EUA em setembro daquele ano. O livro, cujo
título é justamente “Onde está Deus?”, acabou também tratando desse
acontecimento. Hoje, a leitura dessa obra continua atual e desafiadora, pois a
humanidade está atravessando mais uma tragédia humanitária: a Covid-19. Quanta
dor causada pela morte de tanta gente! Quanta revolta diante da atitude
irresponsável e criminosa de muitas autoridades (a começar pelo atual
presidente do Brasil) de negar a gravidade da doença!
Segundo
Sobrino, “a finalidade do livro, na sua totalidade, é ajudar a pensar,
principalmente àqueles que vivem no mundo de abundância, e incentivar em todos
a compaixão e a solidariedade”. Pensar a partir dos seguintes questionamentos:
Quem somos nós, seres humanos? Onde está Deus e o que ele faz? O que é a
salvação e como alcançá-la?
Ao nos
interrogamos sobre quem somos, afirma Sobrino, devemos nos orientar a partir
das seguintes chaves de interpretação: o que significa isto de ser “seres
humanos? Como se mede a qualidade do humano? O que encarna a utopia do humano?
O que expressa melhor o humano? A resposta honesta a essas indagações precisa
levar em consideração o lugar das vítimas. Ora, existem pessoas, a minoria,
para quem a vida é um pressuposto, de modo que, para elas, viver consiste em
expandir a abundância e a qualidade da vida; porém, para a maioria da
humanidade, viver significa, antes de tudo, sobreviver. Assim, para elas, a
vida não é algo pressuposto.
Para quem
vive na abundância, é fácil “negar a realidade da carne de Cristo; atualmente,
negar a realidade de nosso mundo e das vítimas, fugir delas e buscar refúgio na
aparência, a realidade irreal: as ilhas de abundância e dilapidação do
planeta”, ou “buscar salvação no esotérico, em tecnologias sofisticadas, em
culturas industrializadas e comercializáveis, seja música, esporte, política,
religião e inclusive espiritualidade”. Essas pessoas, de fato, não têm honradez
com o real.
Jon Sobrino aborda também um tema muito caro à Teologia da Libertação que é o problema de Deus, que “não termina com uma aceitação ou não de sua existência”, pois “exista Deus ou não, restará sempre o problema teológico – definitivo – dos ídolos”. Lembrando que “ídolos” “são realidades históricas realmente existentes que prometem salvação exigindo em troca um culto e uma ortodoxia”. Há quem diga, por exemplo, que a queda da URSS e a consolidação do capitalismo demarcaram o fim da história e de todas as utopias. Não há, portanto, salvação fora do capitalismo. Ocorre que, “somente com ciência, tecnologia, razões, matérias-primas, dinheiro – sem falar se for somente com armas – não é possível erradicar o mal, não é possível extirpar suas raízes. Na linguagem da tradição, não há redenção”. Para isso, é preciso praticar o amor incondicional, a reconciliação, o perdão, a salvação, realidades tão profundas e todas tão necessárias “para que este mundo seja humano, especialmente em tempos de barbárie e terrorismo”. Ora, estas realidades não se constroem sob o princípio da concorrência e da naturalização das desigualdades, pilares que sustentam a ordem capitalista. Assim, não questionar os fundamentos do capitalismo é fazer dele um ídolo.
Neste tempo de Natal, recomendamos a leitura deste livro ao som de “Deus Pai revelou seu amor e deu-nos seu filho em comunhão/Jesus nasce em todo lugar: nasce na roça, na favela e no sertão”. Fica a dica!
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