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Diversos e Livres

Por Ivânia Freitas*

O título da conversa de hoje é inspirado em uma canção dos compositores Zeca Pagodinho, Sombrinha Cruz e Jorge Aragão. Essa é uma daquelas músicas que são uma espécie de voz Divina que entra pelo ouvido e vai direto para o coração.

A canção fala da importância de cultivar pensamentos positivos, de se estabelecer uma união social que tenha o amor como principal recurso para combater a maldade, a tristeza e a dor. Para mim, é um chamado mais do que importante, sobretudo, quando findamos um ano demasiadamente cruel para tantas famílias e que nos impôs viver sob condições que nunca imaginamos possíveis.

O medo intenso que nos colocou em casa no início da pandemia, me fez pensar que esse vírus, apesar de sua perversidade, haveria de nos deixar um saldo positivo: seríamos pessoas melhores, mais solidárias e conscientes. Mas, como geralmente ocorre com situações demoradas, mesmo se tratando de um contexto de mortes e danos, há uma forte tendência de “naturalizar” tais situações, de começar a achar normal suas sequelas e buscar formas de “conviver” com os horrores, como se fossem inevitáveis.

A naturalização da indiferença, sobretudo, quanto ao número de pessoas que já perderam a vida, é um sintoma de que estamos nos “acostumando” à lógica da barbárie. Devemos lembrar que as mortes pela COVID decorrem, não apenas do grau letal desse vírus, mas, principalmente, da ausência de responsabilidade coletiva com a vida, tanto por parte de cada indivíduo que ignora os protocolos de segurança, quanto de governos que não agilizam medidas e políticas públicas que desacelerem e combatam a doença e seus efeitos sociais desumanizadores.

Foi esse contexto que me fez escolher a canção “Mutirão de Amor” para fechar a nossa conversa no ano de 2020. Sinto que precisamos renovar os votos de amor conosco e com o próximo, começando por indagar sobre qual razão vemos um crescimento da indiferença e do individualismo, quando deveríamos estar em grandes mutirões espalhados pelo país, reivindicando soluções urgentes para enfretamento aos danos da pandemia e da irresponsabilidade política que mata pessoas e sonhos!?

Onde foram parar a compaixão, a solidariedade que tanto falávamos de serem características do povo brasileiro? Cadê a nossa capacidade de ajudar uns aos outros, especialmente os mais humildes? Estamos amedrontados, desencantados com o presente ou mais egoístas e acomodados?

A história mostra que só é possível superar situações de caos se formos movidos pelo sentimento de empatia e coragem e, sobretudo, de amor. Jesus, o Cristo, foi o maior exemplo de amor corajoso que, para ser vivido, teve que enfrentar os poderes constituídos se pondo ao lado dos seus, os mais pobres, levando o amor verdadeiro nas suas palavra e ações. A vida de Cristo é a palavra que se fez verbo e, mesmo assassinado por levar a esperança e o amor, ele vive em homens e mulheres que não sucumbem à indiferença e semeiam o amor em cada ação diária.

Como Cristo, a história é cheia de exemplos de pessoas que doaram suas vidas em nome da justiça, da igualdade e da esperança. Eu costumo dizer que só os que têm amor profundo no coração se indignam e vão à luta. O amor, mais do que um sentimento, é ação e nele não cabe olhar apenas para si. Daí, afirmo que onde há injustiça, o amor não se cala; onde há desigualdade, o amor vai para o combate; onde há indiferença, o amor é o antídoto.

Desejo que as dores e horrores vividos no ano de 2020 fiquem para trás e que 2021 nos acenda a chama do amor para que possamos sair às ruas em mutirões calorosos, renovando a esperança, fazendo da palavra verbo fundante da reconstrução da nossa humanidade quase perdida.



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.