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Diversos e Livres

Por Ivânia Freitas*

Grande parte das pessoas sonha com uma vida bem-sucedida. Para muitas, “chegar lá” significa atingir o ápice de uma carreira, ser reconhecida e respeitada por aquilo que se faz. Isso exige autoconfiança, coragem de enfrentar desafios e muita colaboração. Eu gosto de lembrar disso, de dizer que ninguém chega a uma posição de destaque apenas com seu esforço pessoal.

Sempre há várias pessoas ao longo do caminho que, de um modo ou de outro, colaboram para que o ponto de chegada seja atingido. Obviamente, nem todos que alcançam o auge de seus sonhos, lembram-se desse percurso quando está lá no podium e é bem nesse momento, quando é chegada a hora da colheita, que muita gente, ao invés de continuar ascendendo com honra e dignidade, faz o caminho inverso.

Uma coisa sempre me deixou curiosa nos viciados em apostas. Nunca entendi como alguém que tenta a sorte em jogos, pode ganhar grandes fortunas tão rapidamente e, por não saber a hora de parar, perde tudo em questão de minutos! A vaidade, o sentir-se melhor do que os outros, a incapacidade de escuta e de diálogo são os fatores mais comuns do caminho da derrocada.

Egos inflados pelo sentimento de superioridade (bem diferente de autoestima) são a porta para a deterioração dos sentidos e é ela que tem levado pessoas promissoras a serem apenas mais uma na fila dos que poderiam ser, mas não são.

Eu fico olhando a história de vida de tanta gente que alcançou posições bem-sucedidas e que seriam referências inspiradoras. Mulheres e homens que quebraram ciclos de pobreza, de preconceitos, que chegaram em posições importantes (dentro do que buscam), mas por não saberem administrar seus egos viram escravas da vaidade, do poder ou do dinheiro.

Em tempos em que a “imagem” é a principal moeda do capitalismo, crescem os estímulos diários por posturas que reforçam o individualismo. Além das selfies (onde o sujeito olha apenas para si) e faz de tudo para ser visto, notado, reconhecido, apreciado e bajulado, vemos crescer posturas autocentradas em todos os âmbitos e profissões e isso vem mudando radicalmente a sociedade.

Fico observando artistas, educadores, políticos, religiosos, médicos, juristas, jornalistas, esportistas que chegaram a um certo grau de visibilidade e tem algo que me chama atenção, que lhes é comum. Quanto mais essas pessoas ganham “fama”, mais longe eles ficam da essência dos que as trouxeram até ali. As redes sociais, os outdoors espalhados pelas cidades e mesmo os comerciais da TV deixaram de ser usados como meios de comunicação e marketing do serviço que se presta e passaram a ser vitrines de egos.

O médico, o dentista, a professora, o pastor, o gestor público, viraram “artistas”,  youtubers, marqueteiros de si mesmo. A cantora, o jornalista, a atriz, dão mais visibilidade às suas casas, a seus filhos inteligentes, seus carros e jatinhos, do que aos seus talentos e profissões. E nesse jogo que alimenta egos, o superficial vai tomando o lugar do mais relevante e a única coisa que passa a importar é manter o poder, o dinheiro, a vaidade intactos.

O ego é um monstro que cresce em alta velocidade e mora em cada um de nós, estando sempre à espreita. Eu costumo dizer que ele se alimenta de detalhes e cresce tanto que é capaz de matar o melhor de nós. A morte é lenta, primeiro ele danifica a audição e passamos a escutar apenas o que nos convém. Elogios são bem-vindos, críticas são banidas e mexem com o estado de humor. Depois, ele nos tira a visão, deixamos de enxergar com clareza o que se passa ao nosso redor. Seu efeito é tão drástico, que mesmo o óbvio fica obscuro, levando-nos a seguir pela estrada errada, de onde muitas vezes não se sabe ou não se pode voltar.

Uma vez afetados estes dois importantes sentidos, o próximo passo é nos tonar frios, arrogantes, insensíveis, convenientes e até indiferentes ao outro que não se subjuga aos nossos desejos. É um mal tão perverso que passamos a justificar o injustificável, nos tornamos calculistas e perdemos, pouco a pouco, a noção da realidade concreta e tudo vira uma grande encenação.

Um dos efeitos mais intensos do ego é que ele nos torna dependentes das substâncias que dão a falsa e desejada sensação de “poder” – bajulações, elogios mentirosos, likes automáticos, subserviência e acordos, todos tão sólidos e duráveis quanto gelo fora do freezer.

Para os que dele se viciaram, há uma intensa e constante necessidade de mantê-lo vivo e isso leva a um desgastante e insaciável processo de busca por ser notado, ser visto, ser obedecido, ser endeusado. Lembra o conto da branca de neve quando a rainha má fazia consultas diárias ao seu espelho para saber se havia alguém mais bela do que ela. Quando o espelho não pôde mais mentir, a rainha saiu dos saltos e encomendou a morte da jovem menina que ela via como ameaça à sua beleza. A verdade se tornou insuportável para a vaidosa rainha e aconteceu com ela o que geralmente acontece com qualquer um que deixa o ego vencer dentro de si. Viveu infeliz para sempre!



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.