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A dica de
livro desta semana é “Ressentimento” da psicanalista Maria Rita Kehl. Ela nos
ajuda a compreender esse afeto, que insiste em não querer dizer seu nome,
apresentando-o como uma constelação de afetos que serve aos interesses
narcísicos de preservação do indivíduo em detrimento do sujeito. Diante de um
fracasso, de uma injustiça ou de um agravo, o indivíduo mantém sua integridade de pessoa inocente, colocando-se
sempre na posição de vítima que sofreu uma injustiça; dessa forma, acaba nunca
se implicando na situação ocorrida, responsabilizando o outro pelo prejuízo do
qual foi vítima. O ressentido não quer reparação, pois ele apenas acusa,
preparando-se para a realização de uma vingança que nunca chega. O
ressentimento, mostra Maria Rita, é muito comum nas sociedades democráticas
liberais, pois a causa desse afeto localiza-se numa promessa não cumprida. Ora,
o liberalismo promete liberdade para todos e igualdade entre todos; porém,
devido às suas contradições e limitações, não consegue cumprir a promessa
feita, mantendo uma parcela significativa das pessoas em condições de trabalho
e vida aquém do desejado.
A autora demonstra que o ressentimento não é um conceito originalmente da psicanálise – seu precursor foi, na verdade, o filósofo Nietzsche. Apesar disso, dedicada um capítulo inteiro para analisar o ressentimento nos termos da teoria psicanalítica. No capítulo três, recorre a quatro clássicos da literatura (“Ricardo III”, de Shakespeare; “Crime e Castigo”, de Dostoiévski; “São Bernardo”, de Graciliano Ramos e “As brasas”, de Sándor Márai) para analisar aquilo que ela chama de estética do ressentimento. Por fim, no último capítulo, Maria Rita fala sobre o ressentimento na política, em especial o ressentimento na política brasileira.
De acordo com ela, o ressentimento na política brasileira ocorre basicamente por causa de dois fatores: a dificuldade de nos assumirmos como sujeitos históricos, devido à forte presença, na cultura política brasileira, do paternalismo autoritário, que nos leva a atribuir a uma autoridade benevolente a causa de nossas conquistas; e a nossa tendência de sempre recalcar eventos traumáticos da nossa história enquanto país, acreditando, com isso, que eles serão esquecidos, preservando a imagem do Brasil de país da alegria, da cordialidade e da convivência harmoniosa de todos os povos e raças. Ocorre que, aquilo que é recalado sempre retorna na forma de sintomas. Leia este livro e se convença que o golpe de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro são sintomas do ressentimento político brasileiro. Fica a dica!
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