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Imagem/Michael Dantas/AFP |
Diversos e Livres
Por Ivânia Freitas*
Ninguém
pode negar o quanto esses dias pandêmicos têm sido difíceis. Não sabemos dizer,
ao certo, o quanto estamos tocados por não termos a liberdade de estar onde
queremos e com quem gostaríamos de estar. Para os que não perderam a
sensibilidade, quase 400 mil mortes é um número absurdo demais para ser
ignorado e não há como não nos sentirmos abatidos e sufocados nessa conjuntura
tão cruel!
Os
jornais cumprem seu papel de informar e a overdose diária de más notícias
provoca efeitos gigantes em nossas mentes que mesmo não sendo possíveis
precisar, deixarão sequelas. Toda essa auto-exposição às centenas de
informações diárias pela TV ou pelas redes sociais nos leva ao risco de colocar
os fatos chocantes que vivemos em um lugar comum, tornando-os apenas mais uma
notícia, mais um dado, o que nos tira a dimensão real do seu significado!
Um dia
desses eu vi um texto circulando pelas redes sociais que dizia algo sobre o
quanto o percentual de mortes seria insignificante quando colocado em relação
ao número total da população do Brasil. Fiquei, obviamente, chocada, apesar de
ouvir e ler tantas coisas horripilantes nos últimos anos! Mas, falas como essas
revelam como estamos extremamente desumanizados e como, tudo aquilo que demora,
passa a ser naturalizado, ainda que esteja no âmbito da afirmação do absurdo.
Conversando
com um grupo sobre isso em uma rede social, vendo a divergência de opiniões e a
tendência à aceitação ao argumento do texto, pedi que se fizesse o exercício de
pensar em suas famílias e, se apenas um de seus membros perdesse a vida para a
COVID, como eles se sentiriam? Houve um longo silêncio, um silêncio denunciador
de que o combate ao coronavírus exige de nós travarmos inúmeras batalhas contra
os valores sociais que cultivamos tão bem e que hoje nos impedem de sermos
capazes de nos comover e nos solidarizar com as mais de 3 mil mortes diárias. O
individualismo é um claro limite social na guerra contra a pandemia.
Quando
colocado como valor social, o individualismo é estimulado, sobretudo, pelo
discurso do sucesso como resultado de esforço exclusivamente pessoal, bem como,
pelo apreço à competitividade como sinal de esperteza e qualificação. Entra
nesse pacote, a meritocracia que tanto acirra o egoísmo, como reforça o
afastamento do Estado brasileiro na garantia dos direitos para todos e todas. É
o auge da vida moldada pelo “salve-se quem puder”, do “não me perturbe”, do
“ainda bem que não é comigo” e precisamos encarar que isso é terrivelmente
trágico para o desenrolar da vida de todos nós e nos trará ainda mais
experiências dolorosas, disso eu não tenho dúvidas.
Contudo, tenho a esperança de que possamos tirar alguma aprendizagem positiva desse período tão revelador de nossas fraquezas sociais, as quais foram expostas como grandes feridas sobre a pele e precisam ser tratadas de forma urgente. Talvez estejamos diante da chance de, no combate à pandemia, descobrir o quanto esse modo de sociabilidade é destruidor e como se faz fundamental pensarmos sobre os valores que socialmente estabelecemos como nosso jeito de viver para perceber onde eles nos trouxeram e nos levarão.
Nesse momento da história, além da ciência e da ação governamental competente e comprometida com a vida, o que se requer são valores capazes de mobilizar a responsabilidade coletiva, onde cada vida perdida deve ser motivo de indignação e de mobilização social. Nenhuma vida a menos! Esse deve ser o nosso lema, a nossa defesa e são esses valores que poderão nos levar de volta ao essencial, que estamos a um fio de perder: a nossa humanidade.
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