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Diversos e Livres

Por Ivânia Freitas*

Segundo a Agência Brasil, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mostrou que em 2020, “ano 1” da pandemia, o Brasil registrou 19 milhões de pessoas passando fome. Dados do IBGE mostram que um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua e COVID-19, 12,8% dos brasileiros passaram a viver, desde janeiro desse ano, com menos de R$246,00 por mês. São 27 milhões de pessoas em situações indignas de vida, que representam um quantitativo maior do que a população inteira da Austrália, segundo dados da Folha Uol de Janeiro de 2021.

É nesse cenário triste que duas cenas marcam as graves contradições da realidade e o abismo socioeconômico que nos separam:

No dia 26 de abril do “ano 2” da pandemia, quando o auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 para valores que variam de R$ 150,00 a R$ 375,00, dois jovens negros foram brutalmente assassinados, acusados de furtarem quatro pacotes de carne de charque de uma rede de supermercado em Salvador.  Segundo denúncias, seguranças do supermercado espancaram os jovens e os entregaram às milícias que agora possuem “outorga” presidencial para obter armas mais facilmente e agem autorizados por uma ampla rede de  poder que os financiam.

Em nove de maio, poucos dias depois do crime que segue sendo investigado, o presidente da república fez um churrasco exibindo uma carne especial de origem japonesa que o quilo custa nada menos do que R$1.800 reais, segundo denunciou a Folha de São Paulo.

Há quem queira justificar a morte brutal dos jovens por terem cometido um crime que os levou a serem punidos com a vida. Os que ignoram a violência do racismo estrutural e naturalizam a fome que se expõem nessa cena triste e brutal, são os mesmos que não estranham que o presidente que come cachorro quente em passeios sem máscara pelas ruas e usa caneta bic no bolso é o mesmo que gasta R$ 2,4 milhões no cartão corporativo, apenas nas suas férias, e não veem que em um único pedaço de carne está a soma duas vezes maior do que aquela que levou os dois jovens negros, famintos, desesperados, à morte.

Esse é apenas um retrato do Brasil onde o dinheiro público vira churrasco, petiscos caros e ganha outros sabores refinados em lojas de chocolate. Enquanto isso, se ampliam as campanhas de doação de alimentos para os pobres que, no horror dos estômagos vazios, se sujeitam a morrerem de fome ou de bala, pela polícia, pela milícia ou pela corrupção naturalizada.

Racismo é crime e a corrupção mata!


 A carne mais barata do mercado é a carne negra.

“A carne mais barata do mercado

É a carne negra

Tá ligado que não é fácil, né, mano?

Se liga aí

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Só-só cego não vê

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo do plástico

E vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquíatricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Dizem por aí

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que fez e faz história

Segurando esse país no braço, meu irmão

O cabra que não se sente revoltado

Porque o revólver já está engatilhado

E o vingador eleito

Mas muito bem intencionado

E esse país vai deixando todo mundo preto

E o cabelo esticado

Mas mesmo assim ainda guarda o direito

De algum antepassado da cor

Brigar sutilmente por respeito

Brigar bravamente por respeito

Brigar por justiça e por respeito (Pode acreditar)

De algum antepassado da cor

Brigar, brigar, brigar, brigar, brigar

Se liga aí

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Na cara dura, só cego que não vê

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Na cara dura, só cego que não vê

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Tá, tá ligado que não é fácil, né, né mano

Negra, negra

Carne negra

É mano, pode acreditar

A carne negra"

(Compositores: Seu Jorge / Ulises Capelleti / Marcelo Fontes Do Nascimento)



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.