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Diversos e Livres

Por Ivânia Freitas*

Horrores diários batem à nossa porta. São tantos, que nem dá tempo de compreender a sua dimensão. A sensação é que passamos direto para o estágio do “nada mais me surpreende” e tudo agora é absolutamente “normal”.  As mortes no noticiário esfriaram nossas almas?

Eu, na briga para combater o desânimo que insiste em pausar meus sonhos, ainda encontro forças para me questionar sobre essa incompreensível letargia que se apossou de nossas almas. Às vezes brinco com meus pensamentos e justifico a situação dizendo que tem uma força sobrenatural atuando sobre nós, porque não encontro explicação para que o horror seja tido como natural!

Estou convencida de que tornar a barbárie um “lugar comum” é a grande estratégia dos mentores do mal que se apossaram dos quatro cantos do nosso país e fizeram, como disse Rita Lee, “tudo virar bosta”!

As manchetes rápidas e que mal temos tempo de lê-las por completo, trazem desencanto às nossas almas. Na tentativa de se afastar da realidade dura, alguns preferem nem saber o que há além das três primeiras linhas que circulam nos grupos e redes, talvez porque elas ainda não tragam os nossos nomes ou os nomes dos que amamos na matéria! Enquanto isso não ocorre, muitos seguem indiferentes, frios, e cada dia mais desumanizados.

O que estamos vivendo parece ficção, filme de terror ou de guerra, onde o caos é a “ordem do progresso” e justifica uma lógica impossível de explicar, mas que todos parecemos aceitar: a vida virou algo banal?

Nesse cenário de tantos ataques à nossa saúde física e mental, vamos focando o olhar para dentro de nossas vidas como bichos acuados que se sentem “seguros” em suas jaulas. O Brasil, país que a quase duas décadas nos fez acreditar que era possível sonhar, sucumbe em alta velocidade, enquanto andamos sonâmbulos pelos escombros, esperando que “alguém faça por nós o que é nosso dever fazer”: recusar a banalização da vida e enfrentar os senhores que nos colocam a morte como única saída!

Chaplin poeticamente nos avisou: “a cobiça envenenou a alma do homem ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina que produz abundância tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco”

Oh! Chaplin, querido, pensamos em demasia e agimos pouco. Onde foi parar nossa inteligência, meu doce palhaço? Onde podemos resgatar a nossa alegria? “Pergunto e não acho resposta. O que nos impede de reagir às centenas de homens, mulheres crianças que são assassinados semanalmente, em chacinas que a justiça insiste em não enxergar? Como fazer para conviver com mais de 400 mil mortes e não enlouquecer de tanta tristeza? Como conviver com pessoas que defendem armas ao invés de livros? Como fazer para combater a ignorância que virou moda? Chegamos ao caos? Até pensar criticamente passou a ser um exercício perigoso! Querem nos roubar de nós!

A lentidão da justiça para atuar com medidas urgentes que podem nos salvar desse barco à deriva é demais angustiante! Quero crer, prezado Chaplin, que suas palavras se farão concretas e que há de chegar o dia em que “os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbirão e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os homens, a liberdade nunca perecerá”.

Por enquanto, ficamos com o oposto do seu discurso, prezado palhaço. Infelizmente nossa pátria querida Brasil foi entregue a “esses brutais ... que nos desprezam ... que nos escravizam ... que arregimentam as vossas vidas ... que ditam os vossos atos, as nossas ideias e os nossos sentimentos”. E não resta-me outra questão senão esta trazida pelo saudoso Renato Russo: QUEM ROUBOU NOSSA CORAGEM?

OBS: esse texto é uma versão atualizada de uma publicação que fiz no ano de 2017 para o site Preto no Branco. Com ele vem a infeliz constatação de que nada mudou para melhor de lá pra cá.



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.