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“O amor é uma espera e dor a ruptura súbita e imprevisível dessa espera”. Esta é a epígrafe de abertura do livro “O livro da Dor e do Amor” do psicanalista J.-D. Nasio, indicação da Aroeira para esta semana que se inicia. Neste texto, a proposta do autor é elaborar uma “metapsicologia da dor”, tema para o qual a psicanálise nunca dedicou o estudo exclusivo. Nasio destaca que a dor é em si algo vazio de significado. Nesse sentido, a terapêutica psicanalista consiste em separar a dor do puro real para transformá-la num símbolo. Em outras palavras, simbolizar a dor. Mais atenção: para o psicanalista, simbolizar a dor não significa buscar sua causa, mas “afinar-se com a dor, tentar vibrar com ela, e, nesse estado de ressonância, esperar que o tempo e as palavras se gastem. [É] construir para ela um lugar no seio da transferência, onde ela poderá ser clamada, prateada e gasta com lágrimas e palavras”.

Nasio afirma que dor e amor são indissociáveis: “quanto mais se ama, mais se sofre”. Há a dor da perda do objeto amado; porém, existem também a dor do abandono, quando o ser amado, de repente, retira seu amor; a dor da humilhação, quando o sujeito é atingido no seu amor-próprio; e a dor da mutilação, que surge quando uma parte do corpo se vai. A dor é afeto, sintoma e perversão, porque é a última muralha, que, uma vez transposta, nos faz dá de cara com a loucura e a morte, pois ela é expressão inconsciente de pulsões recalcadas incontroláveis, que desestabiliza o nosso equilíbrio psíquico, fazendo-nos, ou culpabilizar o outro que se foi pela dor que sentimos, ou nos martirizar por aquilo que fizemos ou deixamos de fazer e que fez com que o outro se fosse.

Ótimo livro para ser lido nesse tempo pandêmico, no qual há muitas pessoas a vida se tornou um extenso trabalho de luto. Ademais, a medida em que deixamos ressoar o fato de que dor e amor são inseparáveis, aumentará em nós a empatia e a compaixão pela dor do outro, que sofre porque ama. Essas atitudes despertam na gente a revolta diante de pessoas que, com seus gestos e palavras, tripudiam do sofrimento de famílias, que pelo mundo inteiro perderam seus entes queridos. Transformar a revolta em luta é transformar o luto em luta. Fica a dica!