Imagem/Brasil Escola |
Por Ivânia Freitas*
Mais
importante do que ganhar o pleito eleitoral é saber o que foi semeado no
caminho. Como caminhamos? Com quem demos as mãos? Para qual direção a caminhada
apontou? Que tipo de aprendizagens e ensinamentos ela trouxe? Ensinamos o que,
a quem e para quê? Cabe-nos compreender que os frutos dessa semeadura, de ambos
os lados, darão e serão colhidos por todos, todas e todes. Disso ninguém
escapa!
Isso nos
faz refletir sobre a possibilidade de "vitoriosos" nos pleitos saírem
derrotados pela forma como escolheram traçar seu percurso. Por outro lado,
podemos ter “derrotados” que saem vencedores exatamente pelo mesmo motivo! E
por isso podemos afirmar que a trajetória de um pleito diz mais do que o ponto
de chegada.
No último
processo eleitoral para presidência do Brasil, a eleição de Bolsonaro não nos
revelou, de imediato, que somos um país cujo racismo estrutural, a violência, o
ultraconservadorismo e o ódio de classe estão fortemente enraizados e que essas
são bases que abalariam fortemente o estado democrático de direito.
Assistimos
de forma desatenta a uma candidatura que parecia absurda, que certamente não
iria para frente por evidenciar um discurso violento que rompia com um conjunto
de princípios democráticos que considerávamos estarem plenamente consolidados.
Deixamos de ver que as células ultraconservadoras que se espalharam mundo a
fora pelos grupos anônimos na internet, por “movimentos” ditos não partidários,
porém, financiados pelo grande capital político e econômico, se apossaram da
comunicação via redes sociais e mesmo da grande mídia, pongando nas já velhas
estratégias da direita de semear o ódio não só pela esquerda, mas por qualquer pauta
em defesa da classe trabalhadora.
Toda essa
coalização se junta às estratégias do grande capital financeiro (ou capitalismo
monopolista) que determina o rumo das economias em todo mundo para se
constituir ainda mais forte e isso fez união com o pensamento ultraconservador
que tomou assento nos órgãos dos três poderes e que tem o “auxílio temeroso” de
igrejas conservadoras, fazendo render um terreno fértil para que, no Brasil, o
autoritarismo ganhasse palanque na forma do Bolsonarismo.
Muitos
especialistas dizem que a democracia brasileira não estava preparada para essa
“coalização histórica”. Como disse o colunista do El País Brasil, Isac Nóbrega
(2021), Bolsonaro trouxe consigo um “manual não escrito de táticas de como
erodir a democracia”, dentre elas, a “fuga do debate” nacional para apresentar
e confrontar suas propostas com as dos opositores, criando una narrativa única
com base em fake news, o que foi suficiente para instalar a cultura do
silenciamento da livre manifestação de ideias como estratégia de base para se
eleger. Claro que sua escolha se deveu à sua incompetência política já óbvia
para pleitear tão nobre cargo. Mas ele foi mais longe e do seu “manual” fez uso
do vitimismo, promovendo uma comoção social por meio do estranho e cheio de dúvidas
processo da facada.
Todos nós
que defendemos a democracia nos manifestamos contra suas posturas que instalam
e naturalizam o autoritarismo, fragilizam o lugar da pluralidade de ideias,
deslocam o campo central dos debates para as narrativas acusatórias que não lhe
exigem provar, uma vez que as produz em ambiente no qual não pode ser
confrontado. Tudo isso, no fim das contas, impede que a população se informe,
confronte projetos e tome suas decisões. Especialmente os coletivos de
esquerda, que nasceram se colocando “guardiões” da igualdade e da justiça,
fizeram de tais defesas uma espécie de “mantra”.
Contudo,
como a realidade é em si contraditória, não nos surpreende constatar que mesmo
aquelas pessoas que enxarcam suas redes sociais (que viraram palanque/outdoor)
em bravas defesas pela democracia, não se constrangem em usar desses mecanismos
quando o seu projeto de poder está em jogo. A cultura do silenciamento
democrático se já é estranha no universo político partidário, imagina quando se
repete nas instituições que devem ter o diálogo como base formativa maior, a
exemplo dos sindicatos, associações, movimentos sociais, escolas e
universidades!
É
possível resumir esse movimento como sendo “o velho” jeito de fazer política e
a presença inalterada do racismo estrutural que tem múltiplas formas de
manifestação e se confrontam com o “novo” em nossos país, que é a luta coletiva
por fazer valer os princípios fundantes da nossa Constituição Federal que
assegura o estado democrático de direito, portanto, o lugar onde a liberdade de
ideias é irrevogável! A lógica de ajustar o que se repudia à conveniência de
“fazer o que for preciso para vencer”, é que fez “muitos se perderem no
caminho”, como diz a canção. Por essas e outras razões, eles e elas podem até vencer
pleitos, mas jogam fora suas histórias, perdem respeito e admiração.
É, nesse
sentido que o resultado final fica menor e os ensinamentos da caminhada no
pleito, tornam-se mais significativos e dizem além do que o imediato mostra.
Assim, nem sempre “perder” significa não sair vitorioso. Daí, volto a perguntar
o que se deixou de marcas nesse percurso? A que propósito educativo serviu a
vitória? “Qual foi a semente que você plantou?” Quais mensagens você deixou
vivas e quais você apagou da sua história?
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