A dica de leitura da Aroeira desta semana é o ótimo artigo “O sintoma entre a terapêutica e o incurável: uma leitura lacaniana” dos pesquisadores Cristina Moreira Marcos e Ednei Soares de Oliveira Júnior. A leitura desse texto pode ser feita em diálogo como estes dois vídeos do psicanalista Alexandre Simões: “Psicanálise Cura?” e “Sintoma e Savoir y Faire”. Aliás, para quem se interessa e quer conhecer mais sobre a psicanálise, o canal dele no Youtube é uma excelente sugestão.

A construção do artigo parte de uma premissa fundamental: o tratamento analítico produz efeitos terapêuticos significativos. Nesse sentido, sim, a psicanálise cura; no entanto, não no sentido de cura da medicina, que consiste na total eliminação dos sintomas que causam o sofrimento. Há um núcleo de gozo no sintoma que é irredutível. Não à toa, Freud afirma em “Análise terminável e interminável” que há algo no sintoma que dificilmente poderá ser desfeito em análise. Inclusive, ao longo de sua obra, o pai da psicanálise conceituou vários elementos psíquicos que atuam, no sujeito, mantendo a irredutibilidade do sintoma, tais como resistência, compulsão à repetição e pulsão de morte.  

Dessa forma, o artigo de Cristina Moreira e Ednei Soares ajuda a responder à seguinte questão: vale a pena ao paciente, que quer se livrar de seus sintomas, pois eles são motivo de mal-estar e sofrimento, procurar tratamento psicanalítico, já que a psicanálise conclui que o sintoma não pode ser totalmente eliminado?

De fato, afirmam os autores recorrendo a Laia, “o sintoma em psicanálise, muito embora nos seja apresentado como um problema, não é tratado como algo que deva ser arrancado do paciente e nem silenciado”. Trocando em miúdos: existe, no sintoma, uma parte que pertence a ordem do simbólico e que pode, portanto, ser nomeada; porém, resíduos dele se associam à ordem do Real, que excede à possibilidade de serem expressos por meio de palavras. Esses restos são justamente o núcleo de gozo. “O gozo incluído no sintoma delimita algo excluído da dimensão simbólica, uma vez que se pode chamar de Real o que está fora do simbólico”.

Ora, algo (o gozo) se satisfaz no sofrimento, por mais que o sofrer provoque bastante dor. O sintoma é uma das soluções de compromisso que o sujeito encontra para lidar melhor com seu mal-estar e sofrimento. Assim, “Lacan concebe o final de uma análise como uma possibilidade de o sujeito produzir ‘um saber fazer aí com o sintoma’ (savoir-y-faire): ‘Saber lidar com seu sintoma, é isso o fim da análise’”. Resumindo: lidar ou manipular o sintoma de maneira produtiva.

“Ciente da impossibilidade de ‘terapeutizar’ o Real, já que ele não se articula, a psicanálise não prevê uma solução que o apague. Trata-se, antes, do próprio sintoma como possibilidade de solução, pois o sintoma é um tratamento do Real. O sintoma no tratamento analítico se configura, então, como um modo de circunscrever, em seu invólucro formal, algo do Real que o compõe, o que daí possibilita o tratamento do pior pelo sintoma, pois o Real impossível de suportar não tem remédio, mas tratamento: o sintoma seria, então um deles”. Fica a dica!