Imagem/Cine Set

Desde o início, a ditadura civil-militar, que durou 21 anos (1964-1985), foi marcada pelo uso da violência. Vários cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e mandatos parlamentares foram cassados. Servidores públicos foram aposentados compulsoriamente suspeitos de subversão. Foi instituída a eleição indireta para presidente da república. Os partidos políticos foram extintos e o país passou a ter apenas dois oficiais: MDB e Arena. A censura foi imposta. Prisões políticas foram decretadas em todo o território nacional, enquanto que manifestações e protestos eram reprimidos violentamente pelas polícias. Torturas e assassinatos eram cometidos em órgãos públicos, especificamente os DOI-Codis.

Em 1968, com o estabelecimento do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), foi montado um amplo aparato institucionalizado de repressão, composto por um violento sistema nacional de espionagem e segurança, uma polícia política, um departamento de propaganda e outro de censura política e um tribunal de exceção, que ficava encarregado de julgar pessoas supostamente envolvidas com corrupção.

A repressão não era apenas política, mas também moral. Tanto foi assim que o movimento feminista, por exemplo, era taxado de subversivo, bem como os festivais e apresentações artísticas influenciados pelo movimento hippie e pelo rock. Nesse cenário, as formas de resistência à ditadura foram várias: da luta armada, a estratégia mais radical, à resistência cultural. Foi nesse clima que o Festival de Águas Claras, realizado em uma fazenda no município de Iacanga/SP, considerado o Woodstock brasileiro, atraiu milhares de jovens hippies para a sua primeira apresentação em 1975. Depois dessa, aconteceram mais três: uma em 1981, a outra em 1983 e a última em 1984.

As histórias dos bastidores do Festival de Águas Claras são narradas no documentário “O barato de Iacanga”, filme de 2019, dirigido por Thiago Mattar, e disponível na Netflix, a dica da Aroeira desta sexta-feira.

Interessante localizar o contexto histórico no qual se insere a idealização do festival, a maneira espontânea e sem maiores pretensões em que ele foi pensado, as peripécias que seus organizadores tiveram que enfrentar para conseguir realizá-lo, a vigilância imposta pela ditadura, o clima de abertura política e o amor pela música que movia aqueles jovens. Aliás, passaram por ali artistas que são ícones da música popular brasileira, tais como: Raul Seixas, Gilberto Gil, Alceu Valença, Hermeto Pascoal, Itamar Assumpção, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, Sá e Guarabyra, Sandra de Sá, Erasmo Carlos e até, e esse foi o momento mais sublime do festival, João Gilberto. Inclusive, o pai da Bossa-Nova considera que foi lá que ele fez o seu melhor show.

Através de imagens e depoimentos, Thiago Mattar buscou captar o clímax do Festival de Águas Claras, mostrando, e mais do que isso, convencendo mesmo o telespectador que o grande “barato” de Iacanga sempre foi a celebração da música. Ali, ela não era apenas um detalhe; pelo contrário, por meio dela o jovem buscava a catarse, numa sociedade que reprimia tudo aquilo que significasse liberdade. Fica a dica!