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A eleição
do jovem Gabriel Boric, no fim do ano passado, à presidência do Chile trouxe de
volta a esquerda ao governo daquele país. Segundo Vladimir Saflate, ao refletir
sobre o sentido das repetições históricas, a potencialidade de um acontecimento
está vinculada a sua capacidade de fazer ressoar dinâmicas históricas, que
mesmo abortadas, mantém-se em estado de latência. Neste sentido, continua o
filósofo, a eleição de Boric vincula-se a experiência chilena durante o governo
socialista do presidente Salvador Allende, entre os anos de 1970 e 1973, quando
foi derrubado por um golpe militar que mergulhou o Chile em uma das ditaduras
militares mais sanguinárias da América, apoiada pelo imperialismo
estadunidense.
Nas
palavras de Saflate: “pode parecer paradoxal associar transformação e
repetição, mas o paradoxo inexiste. Para que transformações sejam possíveis, é
necessário, inicialmente, liberar o passado de seu exílio, liberar os corpos da
melancolia. Isso significa reencenar as derrotas e fazer delas vitórias”.
Assim, o processo que resultou na vitória de Gabriel Boric “tem mais
possibilidades de ser bem sucedido porque ele é uma repetição. Ele é o
aprofundamento da mesma via chilena de cinquenta anos atrás”.
A via
chilena para o socialismo possuía três características principais: 1- a frente
popular que apoiou a campanha eleitoral e o governo Allende recusava uma forma
de organização militarizada e era composta por partidos e movimentos populares
de esquerda; 2- as medidas voltadas à redução das profundas desigualdades
sociais foram acompanhadas de mudanças econômicas estruturais; e 3- houve uma
forte reação contrarrevolucionária ao governo Allende organizada por setores da
classe dominante chilena. Ora, se a vitória de Boric é de fato o
“aprofundamento da mesma via chilena de cinquenta anos atrás”, sua consolidação
dependerá, sobretudo, da realização de uma operação radical, cujo objetivo seja
a refundação nacional. “Esse processo [desejo], com novos atores sociais, foi
um dos principais eixos da vitória eleitoral de Gabriel Boric”, conclui
Vladimir Saflate.
Pois bem,
se as conclusões de Saflate fazem mesmo sentido, a dica da Aroeira para este
final de semana sugere o belo filme chileno “Machuca”, do diretor Andrés Wood.
Filme espetacular! Ele está atualmente hospedado na Netflix.
O ano é
de 1973. No clima de mudanças sociais que estavam sendo realizados por Allende
visando a redução das desigualdades, o colégio jesuíta Saint Patrick, dirigido
pelo padre McEnroe (Ernesto Malbran), até então frequentado somente por filhos
da elite chilena, resolveu promover um processo de inclusão de garotos pobres
da periferia de Santiago. Um desses garotos contemplados com uma das bolsas de
estudo foi Pedro Machuca (Ariel Mateluna). Na escola, ele vai desenvolver uma
amizade Gonzalo Infante (Matias Quer). Além deles, há também a garota destemida
e um pouco mais velha Silvana, interpretada pela atriz Manuela Martelli.
Por meio
da amizade dos dois, a película conduz o/a telespectador/a para o contexto
social e político do Chile da época, um país profundamente desigual e
politicamente agitado. O filme traz também o golpe de 11 de setembro de 1973 e
como ele ceifou as esperanças do povo chileno por duas décadas, que, quiçá, em
estado de latência, foram reacendidas no fim do ano de 2021. Fica a dica!
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