Imagem/Esquerda marxista

Alguns números: de 2016 até 2020, o SUS realizou 8,6 mil abortos liberados pela Justiça. Para cada aborto feito pelo sistema de saúde, 100 procedimentos foram realizados para socorrer mulheres que sofreram aborto espontâneo ou tentaram abortar fora de hospitais (para mais informações, clique aqui). As maiores vítimas dos abortos feitos de maneira insegura são adolescentes negras moradoras de periferias (ver aqui).

Esses dados confirmam que, no Brasil, a legalização do aborto, para além de ser uma questão de direito da mulher, é, outrossim, uma questão de saúde pública, pois o que mata essas jovens não é o aborto em si, mas a sua realização feita de maneira clandestina. Sendo assim, é correto afirmar que o Estado tem responsabilidade pela morte dessas mulheres.

A legislação brasileira autoriza o procedimento abortivo em três situações: risco de morte para a gestante, estupro e em caso de feto anencéfalo. A maioria esmagadora das mulheres (cerca de 90%) recorre a interrupção da gravidez porque foram vítimas de estupro. Ocorre que, por causa do preconceito decorrente da criminalização do aborto, muitas mulheres, pobres, pretas e periféricas, veem-se inibidas a procurarem a Justiça. Sem falar que existe todo um processo, que por vezes se arrasta por anos, até se “provar” que ela foi estuprada, por exemplo. Nos casos de risco de morte da gestante ou de feto anencéfalo, esse processo tende a ser mais rápido.

Dito isso, a legalização do aborto não é uma pauta secundária na luta por justiça social. Porém, gera muita polêmica e setores conservadores buscam angariar ganhos eleitorais, promovendo guerra cultural sobre esse tema, que é urgente. A estratégia adotada por eles é sempre a mesma: evita-se o debate racional, partindo-se para agressões verbais, fake news, teorias conspiratórias, simplificação da realidade concreta, etc. 

Semana passada, por exemplo, Lula concedeu uma entrevista à Rádio Jangadeiro Band News de Fortaleza na qual disse ser contrário à prática do aborto, ponderando, no entanto, que o tema é uma questão de saúde pública. Disse ele: “eu sou contra o aborto, mas o que eu disse é que as pessoas têm esse direito. Mesmo eu sendo contra o aborto, ele existe. Quando a pessoa tem poder aquisitivo bom, ela busca tratamento bom e até vai para o exterior para fazer o procedimento. Mas e a pessoa pobre? O Estado tem que dar atenção às pessoas pobres”.

No dia seguinte à fala de Lula, o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, não perdeu a oportunidade e em um evento no Rio Grande do Sul declarou: “esta semana um assunto veio à tona. Para deixar bem clara a posição do nosso governo: o governo do presidente Jair Bolsonaro é contra o aborto. Respeitamos as exceções da lei, mas estamos a favor da vida desde a sua concepção. É um governo que acredita em Deus, que defende as mulheres, que defende a família”. A fala tem endereço certo: o eleitor religioso, sobretudo evangélico e católico. Nas redes sociais, vídeos comparando as duas falas provavelmente já estão a circular, conclamando o fiel eleitor a, em outubro, escolher o representante do “Bem”, Bolsonaro, na sua batalha contra o “Mal”, representado pela candidatura de Lula. Isso é guerra cultural!

É fato que o voto do eleitor, mais do que nunca, também precisará ser disputado nas redes sociais. Nessa corrida pelo voto do eleitor nas redes sociais, a extrema-direita, no Brasil e no mundo, saiu na frente. Seus militantes são bastante competentes no que diz respeito à mobilização popular nas redes sociais. Mesmo porque existem afinidades eletivas entre a linguagem digital e a linguagem utilizada pela extrema-direita. O professor João Cezar de Castro discute essas afinidades na aula “Dissonância cognitiva e guerra cultural: como opera a extrema-direita”, promovida pelo Curso de Formação de Agentes de Combate à Desinformação, a dica da Aroeira desta segunda-feira.

João Cezar de Castro apresenta, de modo didático, reflexões bastante profundas sobre a novidade trazida pelas redes sociais e as afinidades entre a dinâmica das redes sociais e a lógica do discurso da extrema-direita. Na última parte da aula, o professor propõe algumas estratégias de combate à desinformação promovida pela extrema-direita nas redes sociais sem ter que, necessariamente, rebaixar o programa do campo democrático-popular. Fica a dica!