“Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada pra a qualquer momento

Ver emergir o monstro da lagoa”

(Cálice, Chico Buarque de Holanda)

Era por volta das 19h de uma terça-feira nublada, 10 de maio do ano de 2022, quando um grupo de professores/as e estudantes da Educação Básica e Superior do município de Senhor do Bonfim saiu da Praça Nova do Congresso em cantoria pelas ruas, rumo à Câmara de Vereadores. O objetivo era defender a escola como lugar de liberdade de expressão e de diferentes ideias, reafirmando as belas linhas da Constituição Federal!

Era um manifesto para dizer NÃO ao Projeto de Lei Escola Sem Partido que, na verdade, é a proposta da escola de UM partido, de UMA religião, de UMA única visão de mundo.

O coletivo da educação, munido de cartazes e palavras de ordem como “Educação SIM, Mordaça Não!”, fez ecoar nas ruas a música da cidadania ao som animado da sanfona, zabumba e do triângulo, chegando em cantoria até o plenário da câmara de vereadores, o lugar que se diz ser a “Casa do Povo”. Cartazes eram orgulhosamente levantados por estudantes e professores/as diante das autoridades do legislativo municipal para dizer de forma pacífica que “NÃO ACEITAVAM A LEI DA MORDAÇA” e que ninguém ali estava satisfeito com um projeto de lei que tira a liberdade de pensar, ensinar e aprender!

O clima do protesto era democrático, havia até quem defendesse o projeto da mordaça se utilizando das cores da bandeira brasileira para chamar atenção para si e para seu equivocado discurso de patriotismo.

Quando o presidente da câmara, propositor do Projeto que quer perseguir a liberdade dos professores, pegou o microfone, estudantes e professores/as viraram as costas em ato de protesto! Era um recado ao vereador de que não era possível aceitar aquela proposta que fazia nossas escolas voltarem ao tempo da censura!

Em primeiro ato de silêncio, o recado que estava sendo dado era que, QUEM ENTENDE DO TRABALHO DA EDUCAÇÃO É QUEM ESTUDOU PARA ISSO! Se vereadores não se atrevem a dizer ao médico, ao engenheiro ou ao juiz como fazer o seu trabalho, também NÃO SE ATREVAM A DIZER AOS PROFESSORES O QUE FAZER!

O grito silencioso de protesto logo foi quebrado por uma cantiga que já foi centenas de vezes entoada pelos movimentos sociais populares, que iniciou com batidas fortes dos pés da coragem sobre o chão brilhante do plenário da câmara:

Pisa ligeiro,

Pisa ligeiro

Quem não pode com a formiga

Não assanha o formigueiro!

O vereador que olhava com desdém para os manifestantes, ficou nitidamente impactado com o que viu e, munido de total ausência de polidez, começou a destilar venenosas e agressivas palavras contra docentes e estudantes para desqualificar a tão incômoda presença do grupo naquele espaço, a Casa do Povo (?), que ele tratava como se fosse seu dono!

Temeroso com a força da juventude que lindamente impunha sua altivez política, o vereador tratou de chamar a guarda e a polícia militar para “protegê-lo” da “ameaça” que palavras em cartolina e papel ofício pareciam representar. Mas, no país onde a liberdade de expressão é conquista da luta popular, palavras de baixo calão e abuso do poder não são suficientes para silenciar ou intimidar aqueles que não precisam de autorização para falar!

Na continuidade da sessão que mais parecia uma aula dos idos de 1970, onde apenas um falava e todos ficavam em silêncio, outro vereador teve a coragem de denunciar que o projeto que estava em votação que criava “a semana do legislativo na escola” (também apresentado pelo vereador presidente da câmara) era uma cópia de outra cidade, assim como também era cópia o projeto da Escola Sem/com Partido, que o tal vereador quer fazer chegar às escolas! Aplausos ecoaram no plenário e o vereador desmascarado, pego no flagra, ficava cada vez mais vermelho de raiva!

Quando feita a denúncia de que o mal educado vereador não era autor dos projetos, que ele só sabia copiar e colar, um dos professores manifestantes pediu um minuto de fala ao vereador denunciante e lembrou que além de ser um crime, o plágio na universidade recebia nota zero!

Enciumado pelos aplausos que o colega vereador recebeu e, obviamente, pelo fato de ter sido pego na mentira, o vereador cortou o professor com palavras rudes, ameaçando retirá-lo do plenário à força. Com tamanha agressividade e assustados com o grau de autoritarismo, estudantes e professores reagiram com vaias que ecoavam além dos muros da câmara denunciando que ali dentro, os que deveriam representar o povo, se aproveitavam do poder (dado pelo próprio povo), para oprimir e tentar silenciar a voz popular!

A aula expositiva do vereador arrogante havia sido abalada! Seus gritos estrondosos eram lançados como faca amolada no peito dos professores, deixando claro que não queria ouví-los. O silêncio foi imposto (ainda que sob protestos) e aqueles, que de quatro em quatro anos, vão às nossas portas com sorrisos no rosto, abraçar e fazer promessas, se escondiam sob a justificativa de um regimento que deixa nítido o tipo de democracia autoritária que se convém manter na tal “Casa do Povo(?)”.

Naquele momento, contudo, ficou explicito qual o modelo de legislativo e de escola que que os projetos plagiados pelo vereador querem implantar em Senhor do Bonfim: a Escola da MORDAÇA, onde quem pensar diferente será expulso, onde a palavra precisará de autorização para ser dita, onde qualquer manifestação democrática que desestabilizar a ordem imposta será considerada baderna e onde o medo, a ameaça e a perseguição serão instrumentos de controle!

Assim como propõe o Projeto do vereador despreparado para lidar com a democracia, a sessão virou uma aula de autoritarismo, arrogância, de ameaças que foram sentidas na pele, pelos jovens, futuros professores das escolas de Senhor do Bonfim que, certamente, aprenderam no dia 10 de maio de 2022, ao vivo e em cores, qual perfil de político não se pode eleger ou reeleger para tão importante espaço público!

Ao menos para isso a sessão da fatídica noite serviu: para mostrar que voto tem consequência e quando não se elege gente competente e qualificada, gente comprometida com os interesses do povo (de verdade), o resultado é esse: vergonha, vergonha, vergonha!

Assina: O MOTIM - “A EDUCAÇÃO É PRÁTICA DE LIBERDADE”!