Por Ivânia Freitas*

O mês de junho, tão esperado pelos artistas locais para mostrarem sua arte e com a esperança de serem bem remunerados, virou a expressão da força do capitalismo e sua capacidade inexorável de naturalizar as desigualdades, inclusive no campo da arte e da cultura.

Os altos cachês dos artistas famosos, especialmente do gênero da música sertaneja, são uma humilhação inaceitável aos excelentes e necessários artistas da música junina, que para além de música, preservam uma tradição que expressa a rica identidade de um povo.

Cachês de mais de meio milhão de reais causam espanto, sobretudo quando comparados aos valores mínimos pagos aos grupos de sanfoneiros e aos tantos outros artistas que embelezam as festas nos bairros, feiras e palcos (quase nunca os principais) do grande evento festivo dos nossos municípios.

Nesse estranho e bárbaro movimento de supervalorização de uns e desprezo de outros, o que não pode passar sem nosso repúdio, além dessa humilhação pública dos artistas locais, é o fato desses cachês milionários serem pagos com dinheiro público por municípios que não têm uma política de cultura para apoiar os artistas locais e que utilizam como argumento a falta de recurso. Sugiro que visitem o portal da transparência das prefeituras dos municípios e vejam como não falta recurso para o que é de interesse dos gestores!

Não há um órgão regulador para limitar esses cachês pagos com recursos que deveriam ser prioritariamente aplicados nas áreas essenciais dos municípios?

Além desse escandaloso volume de dinheiro que vai para as contas bancárias dos milionários “artistas” da indústria do capital, os/as prefeitos/as aderiram à lógica da privatização do espaço público e começam a cobrar taxas altíssimas para os que desejam comercializar na festa pública, no espaço público, com atrações pagas com dinheiro público! (dos nossos impostos). Não penso ser problema cobrar uma taxa, já que vai se ter comercialização, mas os valores são tão altos que apenas os grandes empresários do ramo de bebidas e comidas podem pagar e lucrar, claro!!

Como se não bastasse destinar dinheiro do povo para deixar os ricos ainda mais ricos e tornarem a festa um evento cada vez mais privado, os vendedores ambulantes, pessoas no geral desempregadas, em situação de total desassistência do Estado, estão impedidos de ganharem seus trocados porque para eles, as taxas também se equiparam ao que poderiam lucrar com o seu árduo trabalho de ganhar centavo por centavo em horas a fio de exposição à chuva, ao frio e a tudo mais que esse ramo impõe. Ou seja, podem pagar taxas altas (se tiverem como arranjar emprestado) e ainda saírem no prejuízo, caso as vendas não alcancem as expectativas!

Uma questão importante a ser feita é para onde vai esse dinheiro que se cobra para uso do espaço público? Presta-se contas a quem? Quem fiscaliza?

Pois bem, enquanto uns lucram, outros dançam... e dançam mesmo, não ao som da sanfona, mas do desprezo, da corrupção, da maldade com os que mais necessitam e que teriam no mês de junho não só um motivo para alegrar a vida tão dura, mas uma possibilidade de conseguirem uma grana a mais para comprar uns pedacinhos de carne e o botijão de gás, que viraram artigos de luxo na cozinha dos/as brasileiros!

É a miséria do lucro acima de todos que soa mais alto do que os sons das sanfonas nos pátios dos grandes shows e essa é a lógica do tão esperado São João no Nordeste!



* Doutora em Educação e Professora da UNEB - Campus VII.